sábado, 19 de abril de 2014

A nossa herança...

O lavatório dos pés na paróquia San David Roldán Lara,
na quinta-feira santa de 2013.
As palavras do Papa Francisco foram poucas, audiveis e claras. O local escolhido, Centro " Santa Maria da Providência" que atende pessoas discapacitada, para celebrar a Missa da Ceia do Senhor apregoa alto e bom som, só por si, o que ele tem pedido constantemente à igreja: ir à periferia. Na minha pobre opinião, não haveria mais contendência na mensagem e no espirito que se transmite e dar exemplo com criatividade e novidade.
Mais do que ser um gesto bonito ou fotogénico, ou de querer manifestar um suposto afã de ser notícia pela ousadía de não celebrar na Basílica de São Pedro, o gesto do Papa nesta quinta-feira santa é bem eloquente 'ad intra': somos para servir e estar sempre do lado dos mais desprotegidos pela sociedade. E, servir, com alegria, como mãe que vai visitar e acolher, abraçar, numa palavra: amar com toda a força da expressão!
Num ambiente familiar e intimo, pois o coro era formado pelos voluntários e internos que cada domingo cantam nas celebrações neste centro (achei espectacular este detalhe, porque geralmente há sempre quem. fazendo o ridiculo, queira aparecer para a fotografia e para mostrar o melhor traje que comprou!), o papa pediu aos sacerdotes, aos fiéis, numa palavra, à Igreja que viva este gesto de amor como um serviço recebido em herança de amor.
A Via Sacra ao Vivo na paróquia San David Roldán Lara,
na sexta-feira santa, sendo o pároco de Cireneu.
«É como a herança que nos deixa. Ele que é Deus se fez servo, servidor nosso. E esta é a herança: também vós deveis ser servidores uns dos outros. E Ele fez este caminho por amor: também vocês deveis amar-vos e serdes servidores no amor». Juntando estas palavras às que disse nesta mesma quinta-feira santa de manhã na missa crismal, penso que é fácil de ver que são palavras que lhe saiem do coração, mas de um coração que serve e que ama, que late por Deus e pelos homens e mulheres.
As 12 pessoas assistidas, a quem foram lavados os pés, com idades compreendidas entre 16 e 86 anos e com doenças ortopédicas, oncológicas e neurológicas, simbolizam as velhas e as novas formas de fragilidade e exclusão, nas quais cada cristãos, cada sacerdote, cada baptizado é chamado e convidado a reconhecer o Cristo sofredor e a dedicarmos a nossa solidariedade na caridade e na comunhão.
A herança da Última Ceia, que fazemos memória actualizada em cada Eucaristia, é precismente esta: estar ao serviço, dar conforto, acompanhar, não deixar ao abandono, apoiar, proteger, abrir as portas ao coração misericordioso de Deus aos que vivem ao nosso lado, porque Deus é Pai, é Filho, é Espírito Santo. Deus que é comunhão de três pessoas no amor e não uma muito bonita e brilhante ideia filosófica ou científica a trasnmitir ou a aprender. O ser baptizado, o ser discípulo de Jesus é isto mesmo: lavar os pés; é dizer com a vida em actos concretos o que disse, com prontidão, Maria ao anjo Gabriel aquando da anunciação: "Faça, eis a escrava! Estou ao serviço! Eis-me aqui!"
Baptismo de Adultos na paróquia San David Roldãn Lara
na Vigilia de Páscoa em 2013.
Nesta quinta-feira santa, aqui no mosteiro do Paular, na Santa Missa fez-se também o gesto do lavatório de pés. Este ano, tristemente, tocou-me assistir! Antes de começar a Santa Missa, meio a brincar, meio a sério, perguntei ao monge Martin, que é o encarregado da liturgia, se como faz o papa Francisco se não estariam mulheres para lavar os pés, pois no grupo dos apóstolos, previamente definidos e que nos acompanhavam, estavam apenas homens. Com cara de traquina, e com o dedo apontando para o Padre Prior, rapidamente me respondeu: "Aqui não há isso!".
Claro que com este episódio anedótico, não estou a criticar as opcções tomadas nem a fazer juizos de valor sobre as mesmas. Apenas o que se nota, e é claro nos nosso gestos, é que o espirito de discípulo alegre de Jesus que o papa Francisco querer, mais e mais, incutir à Igreja, parece ter muitas resistencias a vencer. Começam pelos pastores, grupo ao qual me incluo.
Ora por motivos de liturgia, de espiritualidade ou de formação cristã, ora por causa dos valores culturais ou esquemas mentais, somos muito lentos de coração e tardos de espírito. Mas a herança que nos deixou Cristo como mandamento, como o seu testamento, a sua vontade para que a vivamos e amemos, a fazer-se carne em nós é esta: seremos servidores dos outros sem olhar à cor, à raça ou à idade! Nisto consiste a verdadeira felicidade, a verdadeira alegria em ser seu discípulo!

«Depois de lhes ter lavado os pés e de ter posto o manto, voltou a sentar-se à mesa e disse-lhes: Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-me 'o Mestre' e 'o Senhor', e dizeis bem, porque o sou. Ora, se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Na verdade, dei-vos exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também. Em verdade, em verdade vos digo, não é o servo mais do que o seu Senhor, nem o enviado mais do que aquele que o envia. Uma vez que sabeis isto, sereis felizes se o puserdes em prática». Jo 13,12-17

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