quinta-feira, 24 de julho de 2014

O investimento duradouro

O Reino do Céu é ainda como uma rede lançada ao mar...
O texto de hoje é a conclusão do discurso sobre o mistério do Reino, que continua a ser apresentado por meio de parábolas. Elas são, sem dúvida, uma das características deste evangelho que é considerado o evangelho do catequista. Ele busca ensinar como há-de viver a comunidade cristã. Desta vez, duas são as características cristãs que Mateus quer marcar, por um lado a importância da sabedoria, para saber investir totalmente a vida ao serviço do Reino.Por outro lado, é a visão escatológica ou do final dos tempos que a comunidade cristã é convidada a ter, que lhe faz possível arriscar tudo neste tempo no projecto de Deus. Quando se sabe o fim do caminho, é mais fácil caminhar e driblar as dificuldades que se apresentam! Nas duas primeiras parábolas nas quais se compara o Reino de Deus a um tesouro escondido e a uma pérola preciosa, querem salientar a beleza e riqueza do Reino de Deus.
Como são belas as pessoas que lutam pela paz, pela justiça! Como são enriquecedoras as relações que se baseiam no respeito, no diálogo, na igualdade! Como são encorajadores os projectos e grupos que trabalham pela solidariedade, pelo bem comum!
A experiência do Deus-amor faz as pessoas reconhecerem-se como filhos(as) amados(as) de Deus e irmãos e irmãs de toda a humanidade! Tudo isso são sinais do Reino presente e activo neste mundo. Muitos destes sinais se manifestaram na Feira de Economia Solidária realizada em Santa Maria.
Grupos, comunidades religiosas, ONGs, movimentos sociais de quase todos os estados do Brasil e de outros países da América Latina fazem acontecer uma outra economia que propõe um modelo diferente de fazer economia, baseado na cooperação, na ajuda mútua, na participação mais plena possível, na equidade, no cuidado do meio ambiente e nas relações humanas.
Tanto o homem que encontra o tesouro como o comprador de pérolas ao se deparar com tanta beleza e variedade de riqueza decidem se desprender de tudo para ficar com o novo que têm descoberto!
O Reino de Deus, a vida e proposta de Jesus se apresentam gratuitamente, é necessária a adesão plena do ser humano a ele. Não se trata de renunciar para obter o Amor de Deus, é a experiência desse Amor que possibilita desembaraçar-se alegremente de tudo, e assim viver a liberdade dos filhos de Deus. A sabedoria cristã está, então, em saber investir tudo naquilo que é importante, o Reino de Deus e sua justiça.
Para vivê-la cada dia façamos nossa a oração de Salomão: "Deus dos Pais e Senhor de misericórdia, manda a sabedoria do céu santo e a envia do teu trono glorioso, para que ela me acompanhe no meu trabalho e me ensine o que é agradável a ti, porque ela tudo sabe e tudo compreende" (Sab 9, 1-12).
A parábola da rede lançada ao mar prolonga o tema da parábola do joio da semana passada, convivem na sociedade diferentes tipos de pessoas, de "peixes". E a parábola tem sabor de escatologia final. Busca iluminar a meta da comunidade cristã. Segundo o estilo de vida, as pessoas serão acolhidas no seio de Deus ou não. Para os judeus convertidos ao cristianismo, aos quais escreve Mateus, a menção dos peixes remete ao Primeiro Testamento onde está prescrito que peixes podem ser comidos e quais não, existem peixes bons e ruins (Lv 11,9-12 e Dt 14,9).
A luz sobre o fim ilumina com nova força e esperança à comunidade cristã sobre sua opção radical pelo Reino de Deus, ciente das dificuldades e lutas que tem que travar. Ao terminar este capítulo sobre o Reino, Jesus mostra sua preocupação: "Vocês compreenderam tudo isso?".
Jesus apela não a um entendimento intelectual de seus discípulos/as, e sim a que eles/as assumam, se apropriem, coloquem em prática suas palavras, sua proposta de vida, as exigências do Reino.
E nós, comunidade cristã do século XXI, compreendemos o mistério do Reino? É para nós nosso tesouro e pérola preciosa pelo qual tudo deixamos? Para isso precisamos viver sempre nossa condição de discípulos/as do Reino, deixando que a palavra, a vida de Jesus ilumine nossa história, com seu passado, presente e futuro.

Degrau após degrau...
Cruz

Uma meta a longo prazo nos exige esforço duro e prolongado.
Mas um cálculo nos dá a confiança de que vale a pena.
Talvez, a cruz seja somente um investimento.

Por amor a outra pessoa,
sacrificamos com gosto tempo, força e dinheiro.
A cruz se chama solidariedade com o outro
que sinto de algum modo parte de mim mesmo.
Um golpe repentino, pode fulminar-nos em um instante,
e nossa existência fica ferida sem remédio.
Perde-se a saúde, um ser querido, ou a estima pública.
Arranca-se um galho verde, uma parte viva do eu.
Quando esta mutilação encontra seu repouso,
a cruz se chama aceitação.

Existe a cruz livre a que escolho aquela da qual não fujo.
Mas uma vez nela pregado já não posso descer quando quero.
Entregam-se os projectos aos cravos, a fantasia aos espinhos,
o nome aos rumores, os lábios ao vinagre e os bens à partilha.
Aqui a cruz se chama fidelidade ao amor no amor,
que é canto e fortaleza ressuscitando pela ferida.
Benjamim González Buelta, sj.
(extraído do site: http://www.ihu.unisinos.br)

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Curso do Profolider

Grupo de Religiosos (as) - ProFoLider 2014
Durante dois meses (Junho e Julho), estarei na casa do Irmãos de La Salle, no bairro periférico Vila Guilhermina da grande metrópole de São Paulo, Brasil.
Somos cerca de 35 religiosos, com dois assistentes, o Pe. Mário e a Ir. Francisca, 6 acompanhadores espirituais e 10 assessores temáticos.
Vindos de distintas partes deste imenso país, mas também do Chile e de Portugal, iniciámos este curso com uma missa de acção de graças pela vida e por este tempo de paragem que estamos começando.
E como já sabemos, para que as 'coisas' corram pelo melhor e sejam um bem, há que pedir sempre a Deus que caminhe connosco! Mais bem, que nos ajude a ver a vida como a grande peregrinação que ela é! E, há mais uma razão: estamos na semana que antecede o domingo do Espírito Santo! (É a primeira semana de Junho!)
Em jeito de reciclagem, de re-fontalização, de avaliação, dando um 'novo sentido' aos anos de caminhada religiosa, estamos vivendo este tempo como um grande momento de partilha, de construir no humano o que trazemos e o que somos. Nas palavras do primeiro curso, seria fazer um bom 'grouding' humano para no humano da vida descobrir o divino que há em "nóis"!
Na próxima semana (do 24 de Julho ao 01 de Agosto), estarei em Maripõra, São Paulo, para na casa da unas irmãs (ainda não sei o seu nome, perdão!!!) viver o retiro de conclusão deste curso. Ao termino deste, estarei de regresso à pátria lusa!

Santuário de Aparecida

No interior do Santuário
No passado dia 31 de maio, com o Pe. Haroldo, espiritano brasileiro, fui conhecer por primeira vez o grande Santuário de Nossa Senhora Conceição da Aparecida, que fica no estado de São Paulo a uns 160 km a norte da grande metrópole com o mesmo nome. Foram 2 horas de viagem pela autoestrada Dutra.
Quando digo grande é por que é mesmo grande. Fiquei assombrado pelas dimensões e a quantidade de gente! Não era dia de peregrinação, apenas sábado do fim de Maio. Só vi que havia a reunião, nesse santuário, do movimento da Legião de Maria. Se num dia assim havia tanta gente, imagino como será num dia de festa ou de peregrinação oficial!
A arquitectura é muito bonita e acolhe o peregrino no sentido de favorecer o contacto com Deus e com o povo que reza, canta e suplica! Com razão, o Papa Francisco disse que o rezar e estar diante da imagem de Nossa Senhora Aparecida do povo ajudou, e muito, na redacção do documento de Aparecida (V CELAM 2008)!
Para quem quiser saber mais coisas de Aparecida, aqui ficam os links: http://pt.wikipedia.org/wiki/Nossa_Senhora_da_Concei%C3%A7%C3%A3o_Aparecida e http://www.a12.com/.
Aqui também aproveito para partilhar algumas tomas...

A Grande Cruz que se situa
na nave central do Santuário.

Imagem Original de N. S. da Conceição de Aparecida
Vista desde a Torre Mirador...

domingo, 20 de julho de 2014

Uma lógica diferente...

O semeador - Van Gogh
O evangelho de hoje se situa no mesmo contexto que o do domingo anterior. Jesus, como os outros rabinos de seu tempo, usa parábolas para apresentar a natureza do Reino de Deus.
O texto de hoje nos oferece três parábolas, a primeira ilustra a diferença entre a paciência e o tempo de Deus e o dos seres humanos, e as outras duas narram simbolicamente algumas características do crescimento do Reino de Deus.
A parábola do joio no meio do trigo continua o tema da parábola do semeador, a gratuidade do Amor de Deus. Para isso, é preciso levar connosco a semente, como diz o teólogo José António Pagola. Neste texto acrescenta-se um elemento novo: o joio.
O semeador tem clareza que essa nova planta, ou erva, não provém de sua semeadura: "Foi algum inimigo que fez isso", mas parece não se assustar com a presença do joio em seu campo. A tranquilidade do semeador contrasta com a ansiedade de seus empregados que querem logo fazer alguma coisa: "Queres que arranquemos o joio?"
Ao olhar nosso mundo, sem dúvida, descobrimos diferentes sinais da presença do Reino de Deus, que cresce em silêncio, sem fazer muito barulho. Mas também constatamos outros acontecimentos, situações, estruturas que nada têm a ver com a proposta humanizadora, justa e solidária de Jesus. Como diz Carlos Palácio, SJ: "a vivência do amor por Jesus nos é dada pelo impacto produzido por Jesus nas pessoas que entravam em contacto com ele. Trata-se da pessoa de Jesus na sua unidade, não só do “Jesus humano”: ele era humanamente divino e divinamente humano."
"Neste período, em que os países europeus estão sendo afectados pela crise económica, eles parecem redescobrir a pobreza". Durante muitos anos fecharão os ouvidos para os distintos clamores dos países mais pobres. No caso dos refugiados, estes países que assinaram a Convenção de Genebra em 1951 para receber os refugiados não querem recebê-los mais. Os refugiados, eles se deparam com muitas restrições para entrar nos países ricos, eles passam a considerar as nações mais pobres como a única opção de moradia.
Tal como a comunidade de Mateus, podemos nos perguntar: Por que Jesus, Deus connosco, mestre da justiça, não intervém, arrancando tudo de uma vez? Por que tanta injustiça no mundo? Também nós queremos agir quase sem pensar, fazer justiça com nossas próprias mãos e por isso perguntamos: "quer que arranquemos o joio?"
A resposta do dono da colheita parece quebrar a impaciência de seus trabalhadores. Por um lado, mostra-se sábio, ao reconhecer o tipo e características da semente semeada pelo inimigo, o joio.
Vale explicar que o joio (em grego zizanión, especificamente cizânia) era uma gramínea anual que parecia muito com trigo até que amadurecesse. A diferença é que seus grãos eram pretos.
Por isso, arrancá-lo enquanto crescem seria imprudente: "Pode acontecer que, arrancando o joio, vocês arranquem também o trigo”. Por outro lado, junto com a sabedoria surpreende a paciência, a qual não deve ser confundida com passividade.
A paciência de Deus é nossa salvação, como diz o apóstolo Paulo. Deus não para de amar seus filhos e filhas mesmo que eles e elas actuem erradamente. Ele continua trabalhando no coração de cada ser humano, na história, na criação ininterruptamente.
Por isso, a possibilidade, a oportunidade de mudança é sempre possível, sempre está aberta. Esta paciência e presença de Deus são o motor de vida e esperança da comunidade cristã de todos os tempos.
As parábolas seguintes buscam explicar como, em meio às dificuldades, o reino de Deus cresce com lógicas diferentes das que estamos acostumados(as). O evangelista compara o reino de Deus a uma semente de mostarda, a menor de todas as sementes! Por quê?
O Deus de Jesus Cristo ama a pequenez! Deus assume o ritmo de seu povo, sabe de nossa fragilidade. Mas nele confia e nos impulsiona a não desistir, a não ter medo da minoria, a continuar nosso trabalho pela justiça e solidariedade, para que todos e todas vivam a dignidade de filhos e filhas de Deus.
A semente de mostarda se torna árvore, atingindo segundo a espécie, quatro ou nove metros de altura! Vale a pena continuar tendo esta perspectiva! A segunda parábola também nos fala de pequenez. O reino de Deus é comparado com o fermento usado pela mulher para fazer pão. Em Israel, fazer pão era tarefa confiada às mulheres. E elas o faziam todos os dias porque ele era alimento básico.
Dessa maneira, o evangelista nos mostra que o reino de Deus acontece no cotidiano de nossa vida, na simplicidade do dia-a-dia. E, sem dúvida, as mulheres têm um papel muito importante na construção desse reino, tal como o vem afirmando o Papa Francisco.
Tanto a semente de mostarda como o fermento escondido na farinha são sinais pequenos e quase imperceptíveis. Daí, a importância de ter olhos para ver o agir de Deus na história e ouvidos para escutar seus apelos e convites. Para isto, faz-se imprescindível uma ferramenta: o discernimento. Como entender o apelo de Deus, sua expectativa e esperança, aqui e agora a meu, a nosso respeito?
A prática do discernimento concede ao cristão e à cristã educar a liberdade à escuta de Deus, no próprio interior da realidade do mundo e da história. Esta realidade não é exterior ao mistério de Jesus e não escapa de seu Evangelho. Por isso é possível descobrir como nela engajar-se de maneira responsável.
Enquanto vivemos na paciência de Deus, comprometidos(as), lucidamente, na construção do seu Reino, alimentemos a esperança de que "os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai." 
Amigos, perdoem
Amigos, perdoem se pareço prosa,
convencida, orgulhosa...
Move-me a alegria de entrever,
- em pleno dilúvio, que continua e se agrava -,
 indícios de terra firme,
onde plantar meu ramo de oliveira!
Dom Hélder Câmara.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Apostar no Amor, domingo 13 de Julho...

O capítulo 13 do evangelho de Mateus contém sete parábolas, por meio das quais o evangelista busca apresentar e iluminar o mistério do Reino de Deus. São parábolas fáceis de compreender, para homens e mulheres simples, numa linguagem que eles podem entender. Jesus visava mostrar o Reino de Deus primeiramente a eles.
A primeira parábola, que corresponde à liturgia deste dia, é conhecida com o nome de Parábola do Semeador. É uma parábola elaborada com uma perfeita alegoria que narra o que acontece com a semente da Palavra de Deus em diferentes circunstâncias.
Jesus, como bom judeu camponês, utiliza na sua pregação elementos e situações que são próprias dos costumes e hábitos de seu tempo e localidade. Por isso usa com tranquilidade uma linguagem "agrícola", compreendendo que seus ouvintes saberão a que está se referindo.
Ele fala de um semeador que saía cada manhã bem cedo para semear com generosidade sua terra. Na Palestina, onde morava Jesus, não era costume preparar a terra antes da semeadura. O semeador já sabia que ia encontrar diferentes tipos de solo.
Mas parece não lhe importar. As sementes caem à beira do caminho, em terreno pedregoso, no meio de espinhos, ou em terra boa. Ele simplesmente se preocupa por semear generosamente em todos os lugares por onde está passando. Seu trabalho é semear.
Para melhor receber a mensagem deste texto, vamos lê-lo detidamente e resgatar parte de sua riqueza. Percebemos que a parábola e sua explicação fazem uma unidade. No primeiro relato distinguimos quatro tipos de terrenos: o caminho, o terreno pedregoso, o meio dos espinhos, a terra boa. A explicação refere-se a quatro tipos de ouvintes. Eles são: quem ouve a Palavra e não a compreende; quem a ouve, recebe-a com alegria, mas não tem raiz em si mesmo; quem a ouve, mas a preocupação do mundo e a ilusão da riqueza sufocam-na; e finalmente quem ouve a Palavra e a compreende.
Num segundo momento percebemos que a audição da Palavra está subordinada à compreensão. Mas a variedade de categorias de ouvintes da Palavra e sua respectiva compreensão não são referidas a diferentes classes sociais. Não são os discípulos aqueles que compreendem a Palavra, e a grande multidão, o grupo daqueles que não compreende.
Lembremos então que toda a parábola é uma referência ao Reino, e o crescimento da semente com todas suas dificuldades é imagem do reino.
Considerando estas perspectivas, podem brotar em nós duas perguntas:
Como cresce a semente? Por que o semeador distribui a semente sem dar muita importância ao tipo de terreno?
A semente cresce no silêncio, sem que ninguém saiba como. Os discípulos que estão lá escutam a explicação que Jesus lhes oferece, mas isso não garantirá o crescimento da semente neles. Podem existir entre eles aqueles que escutam mas não compreendem, assim como podem existir, entre a multidão, pessoas que escutam e compreendem. Estas são as pessoas que ouvem realmente.
São aquelas que compreendem! E essa semente traz algo novo, desconhecido, que vai mexer na sua vida, nas suas relações. Para isso possivelmente devem preparar seu terreno e fazer aquilo que seja necessário para que a semente do Reino cresça nelas.
A segunda pergunta nos leva ao Semeador. Nosso Deus é assim: cada dia, cada amanhecer nos oferece gratuitamente a todos sua vida, sua ternura, sua infinita misericórdia e perdão. Não faz distinção de pessoas nem juízos morais de atitudes ou comportamentos.
Como em outra parte, Mateus diz, nosso Deus faz sair o sol sobre justos e injustos. Sim, Ele semeia sua terra não lhe importando seu estado de preparação. Assim Jesus nos convida a deixar cair por terra a imagem de um Deus que só ama se cumprimos seus preceitos, leis ou ritos. Nosso Deus é um Deus de misericórdia.
Vemos então que Jesus faz duas apostas: na força da semente e na bondade natural de toda terra.
Prova disso é o fato de Deus ter enviado seu Filho ao mundo, sua Palavra se fez carne e habitou entre nós, colocou sua morada entre nós. E essa Palavra é viva e eficaz, presente e actuante na história, no tempo e na humanidade.
Então Deus Pai-Mãe, eterno semeador, confia em cada ser humano, aposta no dom da liberdade que todos/as nós possuímos e que nos faz capazes de acolher, aceitar, em qualquer circunstância da nossa vida, a graça de Deus.
A liberdade humana tem um dinamismo próprio que lhe permite projetar-se livremente, em função de suas descobertas e de suas escolhas, para a responsável instauração de seu próprio universo.
O texto de hoje, ao nos mostrar as diferentes dificuldades que encontra a semente para ser acolhida pela terra, ilustra as diferentes orientações que o ser humano pode dar à sua liberdade, que traz diferentes consequências ou frutos.
Nos tempos actuais, uma das mais "luminosas" tentações na qual pode cair nossa liberdade é o narcisismo de si próprio. Crer-se o ser humano capaz, auto-suficiente para resolver com sua liberdade criativa e inteligente todos os problemas da humanidade e do universo, esquecendo qualquer referência, origem, norma, ou fim, que não seja o impulso subjectivo que o conduz.
No CELAM, o Papa Francisco fala de três tentações a que está exposta a Igreja hoje nas diferentes situações: a tentação de transformar a mensagem do Evangelho em uma ideologia; a tentação de gerir a Igreja como um negócio; e a tentação do clericalismo.
Para os teólogos na comunidade da Pontifícia Universidade Gregoriana, ele fez referência ao narcisismo dos teólogos.
Daí a necessidade imperiosa da liberdade humana de deixar-se tocar pelo outro, e Outro com maiúscula, mais ainda, de reconhecer-se criada, e criada porque amada e convidada a ingressar na partilha do amor, deixando a asfixia do individualismo.
Dessa maneira, o impulso que habita a liberdade e que a torna responsável por si mesma é um impulso que lhe permite traçar sua resposta pessoal ao Amor do qual se sente depositária. Só assim o ser humano será verdadeiramente livre!
Então a terra se abrirá e abraçará calidamente a semente, porque sabe que ela contém o segredo do sentido de sua existência.
Esta parábola é um canto universal ao Amor gratuito de Deus e à liberdade humana, premissas indispensáveis para que a vida nova aconteça e dê frutos.


A Semente do Reino
Como se arriscará o camponês a semear sem ver já todo o trigal
no punho apertado cheio de sementes?
Como olhar a terra com olhos de esperança sem ver já o bosque
nas sementes aladas de carvalho levadas pelo vento?
Como sonhará o jovem casal sem sentir já no embrião
todos os risos e as brincadeiras dos filhos?
Como entregar-se pelo pequeno, sem ver com olhos novos
a utopia do Reino no brotar germinal que apenas rompe a casca do medo?
de Benjamin González Buelta

Referências: KONINGS, Johan. Espírito e mensagem da liturgia dominical. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindis, 1981. (partilhado do site www.ihu.unisinos.br)