domingo, 14 de setembro de 2014

Tudo por Amor e com Amor, nada sem Amor!

Neste domingo, celebramos a Festa da Exaltação da Santa Cruz. Somos convidados/as a nos deter e olhar para Jesus crucificado... o que vemos? Já não é possível descobrir nele "o mais belo dos homens", como exclama o Cântico dos Cânticos. Na cruz, seu corpo perdeu toda a sua beleza. Não mais parece nem mesmo gente. Aparece "golpeado, humilhado, desonrado e triturado" (Is 53,5).
Mas, n'Ele podemos descobrir outra beleza, o amor que Jesus nos tem, que brota do extremo de sua fidelidade e aposta total no Pai e seu Reino. E como sua proposta era contrária aos poderes religiosos e políticos da época, foi condenado injustamente e brutalmente morto. Os cristãos não celebramos ou exaltamos o sofrimento de Jesus, não somos seguidores de um Deus sofredor nem masoquista. Acreditamos na fidelidade do Deus da vida.
Celebramos o amor de Deus manifestado em Jesus que é capaz de abraçar a vida até nas condições mais sofridas, mais rejeitadas para dali oferecer-lhes a esperança de uma vida nova. O evangelho de João, que hoje nos é oferecido, nos dá a orientação para penetrar no mistério desta festa da cruz: "Pois, Deus amou de tal forma o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele acredita não morra, mas tenha a vida eterna".
A festa da Exaltação da Santa Cruz é a festa do Amor até o extremo, que abre um horizonte de transformação, de possibilidades novas, de liberdade!. E assim como o povo de Israel no deserto olhava para a serpente elevada e era curado, agora "todo aquele que nele (Jesus crucificado) acreditar, nele terá a vida eterna". O centro do diálogo entre Jesus e Nicodemos é o anúncio que Jesus faz a este "judeu importante" de um novo nascimento: "Eu garanto a vocês: se alguém não nasce do alto, não poderá ver o Reino de Deus".
O novo Nacimento que Jesus oferece a Nicodemos é uma nova vida, una vida que brota de Jesus crucificado do qual sai sangue e água (19-34). Não é obra dos seres humanos, é presente de Deus!
Por isso, é preciso que "o Filho do Homem seja levantado", para abrir as portas da vida eterna para a humanidade. Vida eterna que começa nesta terra quando, "olhando" para Jesus, acolhemos seu Espírito que se une ao nosso espírito e nos faz exclamar "Abba! Pai" (Rom 8, 15).
Ao reconhecer-nos filhos e filhas de um mesmo Pai-Mãe, descobrimo-nos irmãos e irmãs de todos os seres humanos e criaturas, parte da grande família de Deus. É isso o Reino!
Nas palavras de Paulo: "De facto, vocês todos são filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo, pois todos vocês, que foram baptizados em Cristo, se revestiram de Cristo. Não há mais diferença entre judeu e grego, entre escravo e homem livre, entre homem e mulher, pois todos vocês são um só em Jesus Cristo" (Gal 3, 27-28).
O movimento cristão inicial não se baseava na herança racial e nacional, nem em linhagens de parentesco, mas num novo parentesco em Jesus Cristo. No baptismo, os cristãos entravam numa relação de parentesco com pessoas de origens raciais, culturais e nacionais diferentes, formando uma única família, que quebrava os modelos e estruturas sociais patriarcais e de escravidão.
Em Jesus crucificado, está o germe desta nova humanidade, desta criação nova da qual somos partícipes pelo batismo e pela qual somos responsáveis em viver e colaborar para que ela continue acontecendo nos tempos de hoje.
Olhamos para ao nosso redor e notamos que o novo estilo de relações proposto por Jesus não foi assumido plenamente. O que pauta as relações sociais, nacionais e internacionais é a quantidade de dinheiro que tenho no bolso, no banco ou no exterior.
Isso determina que povos inteiros continuem dizimados por doenças que têm cura, mas a produção desses medicamentos não é rentável economicamente para os laboratórios, como é o caso do Ébola, malarias, enfim, a lista seguiria engrossando…
Celebrar a festa da Exaltação da Santa Cruz é reconhecer e acolher o Amor que brota de Jesus Crucificado, para, movidos por ele, colocarmos nossa vida, profissão, trabalho a serviço da construção de uma família humana, pautada por relações de filiação, de fraternidade, ética e justa.
Dessa maneira, a vida eterna que o Crucificado nos oferece como primícias nesta terra, alcançá-la-emos plenamente, quando cheguemos a nossa Pátria Definitiva.
E, termino, rezando assim:
Oração: Um pobre assim, um Deus assim
Pobre daquele que descobriu a dor do mundo como dor de Deus,
a injustiça dos povos como rejeição de Deus,
a exclusão dos fracos como batalha contra Deus!
Já tem a cruz assegurada!

Feliz o que descobriu no protesto do pobre a ruptura do sepulcro,
na comunidade marginal o porvir de Jesus,
nos últimos que nos acolhem o regaço materno de Deus!
Já começou a ressuscitar!

Pobre do que se encontrou com um pobre assim, com um Deus assim! Feliz dele!
Benjamin Gonzalez Buelta (www..ihu.unisinos.br)

sábado, 6 de setembro de 2014

Equação cristã: Ligo ou desligo vidas, pessoas?

Tudo o que ligardes..., e tudo o que desligardes...
Olhando o Jesus crucificado, o evangelista exclama "Deus é Amor" e conhecemos o testamento de Jesus: "amai-vos uns aos outros como eu vos amei" (Jo 15, 12-13). Não há dúvida de que as palavras, vida e morte de Jesus mostram a capacidade do amor humano que o faz divino. Sendo a Ressurreição, a explosão do amor de Deus em correspondência ao amor de seu Filho. Por isso, a proposta que Jesus nos deixa, seu evangelho, é uma escola de amor em que encontramos as dicas, as orientações para viver amando até o extremo, para construir relações fraternas e uma sociedade justa.
Além de nos mostrar o caminho para construir um mundo diferente, Jesus nos assegura Sua presença, as últimas palavras do evangelho de hoje o mostram claramente: "Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles".
O tema da "escola do amor" deste evangelho é a responsabilidade uns pelos outros(as), por isso é necessária a correção fraterna: "Se o seu irmão pecar, vá e mostre o erro dele, mas em particular, só entre vocês dois". O ditado popular promove o contrário: "cada um por si, Deus por todos", ou seja, não devo preocupar-me com o que acontece a meu irmão(ã). Ele ou ela que se "vire"! Quantas coisas vemos diariamente ao nosso redor, na nossa família, lugar de trabalho, estudo, em meu grupo de amigos(as) que está errado! Quantas vezes somos testemunhas de atitudes ou posicionamentos equivocados de pessoas próximas! E o que fazemos?
O mais rápido e fácil seria emitir juízos condenatórios sobre essa pessoa e ficar calado(a) diante da situação. Ou, para piorar, além da condenação, inicia-se uma corrente de "fofoca": "viu o que essa pessoa fez”, "que horror e não é a primeira vez” e assim vai. A proposta de Jesus é totalmente contrária. Ser responsável por meu irmão(ã), me compromete a ajudá-lo(a) no momento em que ele(a) fraqueja, erra. Não para condená-lo(a) e menos ainda para falar sobre seus erros a outras pessoas. Convida-nos a ter uma atitude ativa e ir em sua busca para lhe mostrar amigavelmente onde errou e ajudá-lo(a) a mudar.
Pode ser que nosso(a) amigo(a) não quer reconhecer seu erro ou mudar de conduta, então a reação natural que pode surgir é abandoná-lo(a) a seu destino, não quis nos escutar, já nada podemos fazer. E, aqui, novamente Jesus educa nosso amor. Não é para desistir de ninguém, toda pessoa merece outra oportunidade. Ele quer que nosso amor seja paciente, por isso que tenha a capacidade criativa de buscar outros caminhos para a salvação de nosso irmão(ã).
Este ministério de salvação, de reconciliação Jesus o confere à comunidade eclesial, toda ela é responsável de fazer o que for preciso para encaminhar as pessoas no caminho certo. Sempre vivendo e exercendo o mandamento do amor.
Só sendo servidora, como seu Mestre e Esposo, a Igreja será instrumento de reconciliação e comunhão, para o qual é "em-poderado" (o que tem o poder): "Eu lhes garanto: tudo o que vocês ligarem na terra, será ligado no céu, e tudo o que vocês desligarem na terra, será desligado no céu".
Por isso mesmo, causa tanta dor quando vemos que, como comunidade eclesial, não vivemos nossa vocação de serviço, pelo qual em lugar de amar, condenamos, excluímos, dividimos, e colocamos mais fardos no povo de Deus.
Daí, a necessidade que temos de nos ajudar para viver com maior coerência nossa vocação eclesial de serviço, e assim nossa comunhão fará presente Jesus entre nós. E podemos terminar com as palavras de Jean-Yves Leloup: "Amar... apesar de tudo! Amar... apesar do medo, da ansiedade, da angústia, da incerteza. Amar... apesar do passado, do futuro... apesar do presente. Amar... apesar dos impasses, das dificuldades, dos problemas. Amar... apesar das impossibilidades. Amar... apesar do mal, da destruição, da ameaça, do coração de pedra. Amar... apesar da separação, da indefinição. Amar... apesar da sombra. Amar... apesar do outro. Amar... apesar de mim. Amar... apesar de Deus. Amar...
Hoje, mais do que nunca, amar.
Amar... a porta que dá acesso ao jardim..."

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O aviso de Jesus

O evangelho de hoje nos revela um Jesus consciente do que lhe vai acontecer, vivendo isso com confiança e liberdade: "devia ir a Jerusalém, e sofrer muito da parte dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e dos doutores da Lei, e que devia ser morto e ressuscitar ao terceiro dia".
Se alguém quiser seguir-me, que renuncie...
Ele sabia que ser fiel ao Projeto do Pai lhe traria consequências não desejadas, mas inevitáveis. Como disse Raymond Gravel numa das suas valiosas reflexões: "Seguir Jesus é uma escolha cheia de consequências e de compromissos", que podemos ver e consultar em: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/523433-seguir-cristo-assumir-riscos-calculados. Jesus sabia do perigo ao qual se expunha se continuasse sua atividade e seguisse insistindo na irrupção do reino de Deus.
Por isso, é claro, àqueles e aquelas que querem seguir suas pegadas, fala-lhes que, nesse caminho de fidelidade, vão encontrar dificuldades, rejeições, perigos, sofrimentos, mas Deus nunca os abandonará. Continuamente ao nosso redor e ainda mais em países ou situações que trazem as redes sociais, conhecemos pessoas que entregaram suas vidas por causa de sua opção e compromisso com os mais pobres.
No texto publicado pelo IHU, no dia 18-08-2014, sobre a beatificação dos 124 mártires cristãos pelo Papa Francisco em sua visita à Coreia, o Papa disse que "os novos bem-aventurados sabiam o preço de serem discípulos, estavam dispostos a grandes sacrifícios e a se deixar despojar daquilo que os pudesse afastar de Cristo: os bens da terra, o prestígio, a honra, porque sabiam que só Cristo era o seu verdadeiro tesouro...". Para o Papa, mártires são "homens e mulheres, minorias religiosas, não são todos cristãos e todos são iguais perante Deus". (Cfr o texto completo na entrevista concedida no avião de regresso a Roma depois da viagem à Coreia).
Voltando ao texto evangélico, lemos que a reação de Pedro diante das palavras de Jesus mostra, por um lado, o amor que ele tem por seu Mestre e, por outro, que ele não tinha ainda compreendido sua proposta: "Pedro levou Jesus para um lado e o repreendeu, dizendo: «Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça!".
Como Pedro, nenhum ser humano quer sofrer, nem que suas pessoas queridas sofram! De toda forma queremos evitar o sofrimento, se ser fiel aos princípios pessoais, ao projeto de vida ou a um trabalho ético traz conflitos ou sofrimentos. E a mentalidade de hoje nos convida a abrir mão de tudo isso e buscar o caminho fácil, light, sem estresse.
A atitude de Jesus, a qual também propõe a seus seguidores, é outra. Obviamente, Ele não é masoquista nem suicida. Jesus também não quer o sofrimento! Toda sua vida dedicou-se a combater o sofrimento na doença, nas injustiças, na marginalização, no pecado ou desesperança. Ele não corre atrás da morte, mas também não recua, não foge diante das ameaças, nem modifica sua mensagem, nem a adapta ou suaviza.
Por isso rejeita firmemente a sugestão de Pedro, prefere morrer a trair a missão para a qual se sabia escolhido. Atuaria como Filho, fiel ao seu Pai querido, a seus amigos mais pequenos e abandonados. E, por isso, pede aos seus: "Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga".
Ser fiel ao Pai como Jesus significa viver dia a dia a coerência de vida de seu Mestre, mesmo num clima de insegurança ou de enfrentamento, renunciando a uma vida de reconhecimento e tranquilidade. Isso só é possível se, como nosso Irmão Maior, vivermos uma confiança total em Deus Pai-Mãe e fizermos de nossa vida uma vida de serviço ao Reino de Deus em favor de todos.
A atitude de serviço inspirou a vida de Jesus e a sua morte: "Eu estou entre vocês como quem serve" (Lc 22,27). Dia a dia, doou-se às pessoas sem importar-lhe se, com isso, se descuidava de sua vida ou se a colocava em perigo, porque irritava as autoridades civis ou religiosas.
Ele é o Servo de Deus (Is 51) e da humanidade. Esse é o sentido último que inspira sua vida e sua morte. A viver desse modo são convidados os cristãos de todos os tempos: na confiança total no Pai e na vontade de servir até o fim.

Oração
(Ao rezar esta oração de Charles de Foucauld,
peçamos ao Deus Pai-Mãe de Jesus que nos conceda ter os mesmos sentimentos,
pensamentos e vontade d’Ele.) 
Oração do Abandono

Meu Pai, a vós me abandono. Fazei de mim o que quiserdes.
O que de mim fizerdes, eu vos agradeço. Estou pronto para tudo, aceito tudo, contanto que a vossa vontade se faça em mim e em todas as vossas criaturas.
Não quero outra coisa, meu Deus! Entrego minha vida em vossas mãos. Eu vo-la dou, meu Deus, com todo o amor do meu coração. Porque eu vos amo e porque é para mim uma necessidade de amor dar-me, entregar-me em vossas mãos, sem medida, com infinita confiança, porque sois o meu Pai.
Charles de Foucauld

sábado, 23 de agosto de 2014

Reflexão sobre o XXI Domingo, 24 de Agosto...

O mar das escolhas e eleições...
Quem é o Filho do Homem? Os evangelhos sinópticos conhecem um dos pontos altos da vida de Jesus neste encontro que acontece em Cesareia de Filipe. A pergunta que Jesus dirige aos seus apóstolos, com Ele reunidos, perpassa a história: «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?».
E seus discípulos responderam de acordo a cultura religiosa das pessoas com quem conviviam, na maioria judeus, por isso responderam com personagens do Primeiro Testamento: «Alguns dizem que é João Baptista; outros, que é Elias; outros ainda, que é Jeremias, ou algum dos profetas».
Se perguntássemos a nossos contemporâneos quem é o Filho do Homem, as respostas seriam muito variadas, desde a energia do sol, Gandhi, Madre Teresa de Calcutá, e porque não Dalai Lama? Todos eles mensageiros da vida de Deus. Jesus, voltando-se para os seus, dirige uma pergunta muito directa: «E vós, quem dizem que eu sou?».
Deixemos que esta pergunta chegue hoje a nosso coração, quem dizemos que é Jesus? Podemos responder? Na primeira comunidade de amigos de Jesus, é Pedro quem toma a dianteira e responde: «Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo».
Pedro pertencia a uma família de pescadores pobres, estava casado com uma mulher de Cafarnaum e viviam formando uma família alargada na casa de seus sogros. Ao sentir-se atraído e chamado por Jesus, deixa suas pobres redes e o segue.
O testemunho das fontes cristãs contribui para criar a impressão de ser um homem espontâneo e honesto, decidido e entusiasta na sua adesão a Jesus e ao mesmo tempo capaz de duvidar e sucumbir às crises e ao medo. Para os judeus, o imaginário de Messias tinha as características de um guerreiro libertador, o qual teria a missão de terminar com a dominação dos romanos, limpar Israel da presença dos pagãos e estabelecer a paz.
Pedro estava certo ao dizer que Jesus era o Messias. Depois as palavras e a vida de Jesus, especialmente sua morte revelarão que seu messianismo nada tinha ver com estas expectativas. Jesus é o Messias verdadeiro, mas não traz a salvação, destruindo os romanos, senão buscando o reino de Deus e sua justiça para todos. É o Messias crucificado e ressuscitado! Mas tanto Pedro como a primeira comunidade compreenderão isso somente depois da Ressurreição de Jesus.
Outro nome de Jesus que Mateus coloca nos lábios de Pedro é Filho de Deus, que é muito sugestivo para os judeus, pois assim se chama na tradição bíblica Israel, o povo tão querido e cuidado por Deus; também o rei, representante do povo é considerado o "filho de Deus", inclusive alguns homens justos que sobressaem pela sua fidelidade a Deus são chamados de filhos seus.
Pedro escutou Jesus falar com autoridade às multidões, viu-o agir com misericórdia, conhecia também o comportamento singular de Jesus diante de Deus. Pedro tinha escutado Jesus chamar seu Pai como Abbá; percebia sua confiança nele; via que sua obediência a ele era total e sua fidelidade absoluta.
Mas é importante lembrar que Jesus não é um "filho" mais de Deus. É o Filho. Foi Deus Pai quem o enviou ao mundo de seu próprio seio (Gal 4,4). Jesus vem de Deus, sua raiz última está nele. Outra vez, a vida e a morte de Jesus quebraram o imaginário popular de Filho de Deus, porque como é possível que o Filho de Deus seja um desconhecido que vai ser executado pelas autoridades romanas?
Proclamar que Jesus é o Filho de Deus é confessar o mistério de Deus encarnado nesse filho de carpinteiro, da Galileia, entregue à morte por amor.
Jesus é um verdadeiro homem. Nele aparece tudo o que é realmente ser humano: solidariedade, compaixão, serviço aos últimos, que busca o reino de Deus e sua justiça... É Deus, nele se faz presente o Deus verdadeiro, o Deus dos pequenos e crucificados, o Deus do Amor, o Deus que só busca a vida e a felicidade plena para todos seus filhos e filhas, começando pelos últimos!
É, por isso, que diante da confissão de Pedro, Jesus só pode felicitá-lo. É nessa fé que Pedro professa, e nele toda a comunidade cristã, que se funda a Igreja. Ela é o grande tesouro dos cristãos e cristãs, é o que lhes permitirá permanecer e avançar, no meio das fragilidades próprias e tormentas do mundo, fiéis a Deus e ao seu projecto de vida para todos.
A fé em Jesus, o Messias, o Filho de Deus é a rocha sobre a qual foi fundada a Igreja, é a herança que recebemos de nossos antecessores e é o que somos convidados a continuar comunicando com nossa palavra e vida até o fim dos tempos.

A Luminosa Escuridão (oração de Benjamin G. B., sj)
És incompreensível.
Mas a escuridão de teu mistério, é mais luminosa que nossas ideologias, pequenas luzes penduradas nas encruzilhadas.
...O mistério dos teus passos
faz-nos caminhar...
És inacessível.
Mas tua distancia é mais acolhedora do último reduto de meu ser que todos os braços que se fecham com amor sobre meus ombros.
És indizível.
Mas teu nome humildemente orado vai emanando silencioso mais sabedoria que as torrentes de palavras que circulam pela terra.
És imanipulável.
Mas teu desígnio traz até minhas veias uma gota de vida eterna que faz brotar desde o centro de minha realidade todas as minhas criações.

sábado, 16 de agosto de 2014

XX Domingo do Tempo Comum, 17 de Agosto de 2014

...os cachorrinhos comem das migalhas que caem...
Para a reflexão-leitura deste XX domingo do tempo comum, partilho aqui o texto de D. António Couto, biblista, que cada domingo partilha um comentário sobre as leituras desse domingo. Aqui fica a partilha para este domingo 17 de Agosto:
«1. O Evangelho deste Domingo XX do Tempo Comum serve-nos uma página absolutamente desarmante, retirada de Mateus 15,21-28. Jesus abandona Genesaré, na costa ocidental do Mar da Galileia, e vai para a região de Tiro e de Sídon, atual Líbano, terra pagã.
 2. Uma mulher e mãe «libanesa», carregada com o drama da sua filha doente, situação verdadeira ontem como hoje, e que hoje bem podemos estender à Palestina, à Síria e ao Iraque, vem implorar de Jesus, num grito que lhe sai do fundo das entranhas, que lhe «faça graça» (eléêsón me, kýrie) (Mateus 15,22), isto é, que olhe para ela com bondade e ternura como uma mãe que dirige o seu olhar embevecido para o bebé que embala nos braços.
3. O texto diz que Jesus nem lhe respondeu (Mateus 15,23). Mas a mulher não desiste, mas insiste e vai mais longe, prostrando-se (verbo proskinéô) agora diante de Jesus (Mateus 15,25). O gesto significa orientar a sua vida toda para Jesus, pôr-se totalmente na dependência de Jesus. A reação de Jesus é de uma dureza extrema: afasta a pobre mulher e mãe duramente, catalogando-a na classe dos cachorros [= pagãos] e não dos filhos [= judeus] (Mateus 15,26). Só para estes é que ele veio.
4. A mulher replica de modo admirável: é verdade, Senhor! Os filhos estão reclinados à mesa, mas os cachorros comem debaixo da mesa as migalhas que caem! (Mateus 15,27). «Mulher da grande fé! (megalê hê pístis)», replicou Jesus, «faça-se como queres!» (Mateus 15,28).
5. Note-se bem que é a única vez que Jesus fala da «grande fé». E atribui-a a uma mulher e mãe «libanesa» cujo amor nunca se vergou perante a dureza e as dificuldades da vida. Em contraponto com esta mulher da «grande fé», note-se bem que Pedro é o homem da «pequena fé» (oligópistos) (Mateus 14,31), do mesmo modo que os discípulos são também os homens «da pequena fé» (oligópistoi) (Mateus 6,30; 8,26; 16,8; 17,20). Admirável ainda que Jesus diga a esta mulher que não desiste, mas insiste e persiste: «faça-se como queres» (genêthêtô hôs théleis), um paralelo claro da oração do «Pai Nosso»: «Faça-se a tua vontade» (genêthêtô tò thélêmá sou) (Mateus 6,10)!
6. O episódio é de uma crueza e de uma beleza inauditas. Mas há ainda mais: é a insistência desta mulher e mãe «libanesa» que, por assim dizer, obriga Jesus a passar mais uma fronteira: de hebraeos ad gentes, dos hebreus para os pagãos!
7. Enquanto tentamos compreender melhor a ousadia da grande fé desta mulher e mãe «libanesa», que enche claramente este Domingo XX, não deixemos também de contemplar o rumor missionário que se faz ouvir, em perfeita sintonia, nas demais passagens ou paisagens bíblicas de hoje. Em primeiro lugar, e em pura sintonia com a universalidade do Evangelho, aí está a lição igualmente aberta de Isaías 56,1-7, que adscreve mais um belo nome a Jerusalém: «Casa de oração para todos os povos» (Isaías 56,7). Jesus citará este texto de Isaías em Mateus 21,13, Marcos 11,17 e Lucas 19,46. Em Mateus e Lucas, só a primeira parte é referida: «A minha casa será chamada casa de oração». Só em Marcos, a citação aparece por inteiro: «A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos». Mas Isaías continua a anunciar que os estrangeiros que quiserem servir e amar o Deus Santo e ser fiéis à sua aliança, serão por Ele conduzidos ao monte santo, e os seus sacrifícios e holocaustos serão do agrado de Deus (Isaías 56,6-7). Alguns serão mesmo escolhidos por Deus para sacerdotes e levitas (Isaías 66,21).
8. Mas este tom de comovida universalidade já se tinha feito ouvir, de forma surpreendente, em Isaías 19,24-25, em que Deus une na mesma bênção o Egipto, a Assíria e Israel, sendo o Egipto e a Assíria inimigos de Israel! O amor de Deus não conhece barreiras. A mesma admirável lição se encontra no Salmo 87,4, um maravilhoso Cântico de Sião: «Recordarei Raab e Babel entre os que me conhecem; eis a Filisteia e Tiro e a Etiópia: este nasceu lá». Eis Deus a escrever no livro anagráfico os nomes dos seus filhos. E aí vemos outra vez inscritos os inimigos de Israel: Raab, que é o Egipto (Isaías 30,7), a Babilónia, os Filisteus, e os estrangeiros mais estrangeiros, a Etiópia (do grego aíthô [= acender, queimar], e ôps [= rosto]), que é o país das pessoas de rosto queimado ou de cor negra, o país do fim do mundo, como escreve Homero.
9. Vai ainda no sentido da universalidade, a lição da Carta aos Romanos 11,13-15.29-32, hoje também lida, em que S. Paulo se intitula «Apóstolo das nações» (Romanos 11,13), e nos diz que Deus usa de misericórdia para com todos (Romanos 11,32). Por isso, bem podemos hoje, com o Salmo 67, juntar as nossas vozes às vozes dos povos de toda a terra no mesmo louvor ao Deus que a todos faz graça e misericórdia».

Visita do Papa Francisco à Coreia - 2014

Igreja pobre e para os pobres, palavras de Francisco I
O Papa Francisco está de visita por cinco dias à Coreia do Sul, por ocasião da Jornada da Juventude da Ásia. Publico e partilho aqui uma reportagem do National Catholic Reporter sobre o pedido do Papa aos bispos coreanos que penso que nos pode inspirar e ajudar a não perder de vista uma fé encarnada e com sentido de fidelidade ao evangelho: «deve penetrar os corações e as mentes dos fiéis e ser reflectida em todos os aspectos da vida eclesial". "O ideal apostólico de 'uma Igreja pobre e para os pobres' encontrou expressão eloquente nas primeiras comunidades cristãs desta nação", lembrou Francisco aos bispos. "Rezo para que esse ideal continue a moldar o caminho da Igreja coreana na sua peregrinação para o futuro".
Alguns observadores da Igreja dizem que os bispos coreanos, reflexo de algumas nomeações episcopais mais conservadoras dos últimos anos, assim como os valores confucionistas que enfatizam a hierarquia, perderam o contacto com os pobres. As palavras do Papa Francisco foram firmes. A solidariedade com os pobres, disse ele, "no entanto, eles dizem que uma excepção visível é o bispo Peter Kang U-il, presidente da Conferência Episcopal. Como bispo da diocese de Jeju, uma ilha onde o governo sul-coreano está construindo uma obra altamente impopular, uma base naval para navios de guerra dos Estados Unidos, Kang tem sido muito activo em protestos locais. Como presidente da Conferência dos bispos coreanos, Kang está desempenhando um papel bastante público durante a viagem de Francisco na Coreia. Francisco disse aos bispos: "Estou convencido de que, se o rosto da Igreja é antes de tudo um rosto de amor, mais e mais jovens serão atraídos para o coração de Jesus sempre inflamado de amor divino na comunhão do seu corpo místico".
No início da tarde, ele se reuniu com o presidente sul-coreano Park Geun-Hye. Talvez já pensando no seu primeiro dia inteiro na Coreia do Sul, com o encontro de jovens durante a Jornada Asiática da Juventude, Francisco encorajou os bispos a oferecer uma nova esperança para os jovens.
Ele disse que ser "guardiões da esperança" significa assegurar "o testemunho profético da Igreja na Coreia, a fim de que continue a expressar-se na sua solicitude pelos pobres e nos seus programas de solidariedade, especialmente em favor dos refugiados e migrantes e dos que vivem à margem da sociedade".
Francisco disse que essas preocupações devem ir além das iniciativas de caridade e avançar para o "campo da promoção social, ocupacional e educacional". "Podemos correr o risco de reduzir o nosso compromisso com os necessitados simplesmente a uma dimensão assistencial, ignorando a necessidade de cada um de crescer como pessoa e expressar com dignidade a sua própria personalidade, criatividade e cultura".
"Ser um testemunho profético do Evangelho traz desafios especiais para a Igreja na Coreia", disse Francisco, "uma vez que ela realiza a sua vida e ministério em meio a uma sociedade próspera, mas cada vez mais secularizada e materialista". Ele chamou a atenção dos bispos para não serem tentados a padronizar seus ministérios pastorais nos modelos de gestão extraídos do mundo dos negócios ou em "um estilo de vida e mentalidade guiados mais por critérios mundanos de sucesso, e de fato poder, do que pelos critérios que Jesus enuncia no Evangelho".
"Peço a vocês e seus irmãos sacerdotes que rejeitem essa tentação em todas as suas formas. Que possamos ser salvos do mundanismo espiritual e pastoral, que sufoca o Espírito, substitui conversão por complacência, e, no processo, dissipa todo fervor missionário"».

sábado, 9 de agosto de 2014

Travessia Missionária

O texto de hoje está situado na parte narrativa do quarto livrinho do evangelho de Mateus, que pode ser sintetizado como o seguimento do mestre da justiça. No domingo anterior, contemplamos o milagre da partilha. Jesus ensinou aos seus o jeito de ser compassivo e solidário e na abundância da comida o evangelista mostra que esse é o caminho para construir outro tipo de relações, de sociedade onde todos(as) tenham o necessário.
«Homem fraco na fé, porque duvidaste?»
Depois disso, Jesus "obrigou os discípulos a entrar na barca, e ir na frente, para o outro lado do mar". Segundo os estudos, é a única vez que o verbo "obrigar" aparece em Mateus. Talvez a intenção de Mateus é mostrar o interesse que tinha Jesus de que seus discípulos(as) continuassem vivendo com outros(as) o que tinham aprendido com a multiplicações dos pães. Agora é o momento de eles atravessarem o mar, irem para outras terras para levar este novo estilo de vida que tinham aprendido com Jesus.
Jesus foi um peregrino incansável, ia de um lado a outro fazendo o bem. Seus seguidores(as) não podem ficar parados, são permanentemente enviados(as) em missão. A necessidade das pessoas nos leva a buscar e construir juntos os caminhos de vida e liberdade. Enquanto sua comunidade navega mar adentro, Jesus se retira para o monte a fim de rezar. Não sabemos o conteúdo de sua oração, mas certamente está relacionado com a missão dos seus discípulos e discípulas.
A oração sacerdotal de Jesus, que nos apresenta o evangelho de João, nos mostra isso com clareza: "Pai santo, guarda-os em teu nome, os que tu me deste, para que eles sejam um, assim como nós somos um... Não te peço para tirá-los do mundo, mas para guardá-los do Maligno". E depois continua: «Eu não te peço só por estes, mas também por aqueles que vão acreditar em mim por causa da palavra deles, para que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti" (Jo 21, 11-23).
Na certeza deste cuidado permanente que Jesus tem pelos seus é que a comunidade cristã pode lançar-se ousadamente nas diferentes frentes missionários que lhe toca viver. O que Mateus narra em continuação ilustra esta certeza. A barca, a comunidade, está sofrendo uma forte tormenta: "A barca, porém, já longe da terra, era batida pelas ondas, porque o vento era contrário".
Contrasta a fragilidade da barca com a obscuridade da noite e da tormenta em alto mar. O evangelista quer manifestar a obscuridade e os desafios que enfrenta a comunidade cristã. Jesus vai em auxílio dos seus, mas como acontece quando estamos em crise, fica difícil para nós "ver" a presença do Senhor. Confundimo-lo facilmente com um fantasma.
Conhecedor de nossa cegueira, Jesus apela para que reconheçamos sua voz: «Coragem! Sou eu. Não tenham medo», a mesma que nos chamou e enviou em missão. A mesma parece acender o coração de Pedro, fazendo-o crescer em confiança para desafiá-lo: "Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água".
Obedecendo as palavras do Mestre, Pedro começa a andar sobre as águas. Mas o barulho da tormenta e o frio da noite fazem estremecer sua fé e ele começa a afundar no mar. A fé fraquejar não quer dizer que não exista. Prova disso é que do fundo de seu coração Pedro grita: .
Na experiência deste apóstolo podemos ver reflectida a caminhada da comunidade cristã que sabendo-se enviada pelo Senhor realiza sua missão em meio de dificuldades, tendo como bússola a fé em Jesus. Também sua fé passa pela prova da noite, sente a sacudida do vento: será que Deus nos acompanha? Será que isso é obra sua? Mas por que tantos problemas? Por que parece que nunca chegamos a porto seguro? Onde Ele está?
«Senhor, salva-me»
Desde essa noite podemos igualmente clamar como Pedro: "Senhor, salva-me, salva-nos!" E quando descobrimos a mão de Jesus que se estende para nós, de diferentes formas, como por meio de pessoas que nos ajudam, dos mais pobres que nos ensinam a alegria de viver, do consolo e fortaleza que experimentamos em nosso íntimo... Nossa vida é convidada a se converter em um acto de adoração ao Senhor: "Os que estavam na barca se ajoelharam diante de Jesus, dizendo: «De fato, tu és o Filho de Deus".

Oração
Não amanheças, Senhor,
que ainda meus olhos não aprenderam a ver-te no meio da noite.

Não me fales, Senhor,
que ainda meus ouvidos não logram te escutar nos barulhos da vida.

Não me abraces, Senhor,
que ainda meu corpo não percebe tua pele nos abraços e na brisa.

Não me adociques, Senhor,
que ainda minha garganta não saboreia tua ternura, no meio do amargo.

Não me perfumes, Senhor,
que ainda meu olfacto não cheira tua presença no meio da miséria.

Baptiza meus sentidos com o lento decorrer
de tua graça encarnada, fluindo por meu corpo.

Benjamin Gonzalez Buelta, sj.
(extraído do site: www.ihu.com.br)

quinta-feira, 24 de julho de 2014

O investimento duradouro

O Reino do Céu é ainda como uma rede lançada ao mar...
O texto de hoje é a conclusão do discurso sobre o mistério do Reino, que continua a ser apresentado por meio de parábolas. Elas são, sem dúvida, uma das características deste evangelho que é considerado o evangelho do catequista. Ele busca ensinar como há-de viver a comunidade cristã. Desta vez, duas são as características cristãs que Mateus quer marcar, por um lado a importância da sabedoria, para saber investir totalmente a vida ao serviço do Reino.Por outro lado, é a visão escatológica ou do final dos tempos que a comunidade cristã é convidada a ter, que lhe faz possível arriscar tudo neste tempo no projecto de Deus. Quando se sabe o fim do caminho, é mais fácil caminhar e driblar as dificuldades que se apresentam! Nas duas primeiras parábolas nas quais se compara o Reino de Deus a um tesouro escondido e a uma pérola preciosa, querem salientar a beleza e riqueza do Reino de Deus.
Como são belas as pessoas que lutam pela paz, pela justiça! Como são enriquecedoras as relações que se baseiam no respeito, no diálogo, na igualdade! Como são encorajadores os projectos e grupos que trabalham pela solidariedade, pelo bem comum!
A experiência do Deus-amor faz as pessoas reconhecerem-se como filhos(as) amados(as) de Deus e irmãos e irmãs de toda a humanidade! Tudo isso são sinais do Reino presente e activo neste mundo. Muitos destes sinais se manifestaram na Feira de Economia Solidária realizada em Santa Maria.
Grupos, comunidades religiosas, ONGs, movimentos sociais de quase todos os estados do Brasil e de outros países da América Latina fazem acontecer uma outra economia que propõe um modelo diferente de fazer economia, baseado na cooperação, na ajuda mútua, na participação mais plena possível, na equidade, no cuidado do meio ambiente e nas relações humanas.
Tanto o homem que encontra o tesouro como o comprador de pérolas ao se deparar com tanta beleza e variedade de riqueza decidem se desprender de tudo para ficar com o novo que têm descoberto!
O Reino de Deus, a vida e proposta de Jesus se apresentam gratuitamente, é necessária a adesão plena do ser humano a ele. Não se trata de renunciar para obter o Amor de Deus, é a experiência desse Amor que possibilita desembaraçar-se alegremente de tudo, e assim viver a liberdade dos filhos de Deus. A sabedoria cristã está, então, em saber investir tudo naquilo que é importante, o Reino de Deus e sua justiça.
Para vivê-la cada dia façamos nossa a oração de Salomão: "Deus dos Pais e Senhor de misericórdia, manda a sabedoria do céu santo e a envia do teu trono glorioso, para que ela me acompanhe no meu trabalho e me ensine o que é agradável a ti, porque ela tudo sabe e tudo compreende" (Sab 9, 1-12).
A parábola da rede lançada ao mar prolonga o tema da parábola do joio da semana passada, convivem na sociedade diferentes tipos de pessoas, de "peixes". E a parábola tem sabor de escatologia final. Busca iluminar a meta da comunidade cristã. Segundo o estilo de vida, as pessoas serão acolhidas no seio de Deus ou não. Para os judeus convertidos ao cristianismo, aos quais escreve Mateus, a menção dos peixes remete ao Primeiro Testamento onde está prescrito que peixes podem ser comidos e quais não, existem peixes bons e ruins (Lv 11,9-12 e Dt 14,9).
A luz sobre o fim ilumina com nova força e esperança à comunidade cristã sobre sua opção radical pelo Reino de Deus, ciente das dificuldades e lutas que tem que travar. Ao terminar este capítulo sobre o Reino, Jesus mostra sua preocupação: "Vocês compreenderam tudo isso?".
Jesus apela não a um entendimento intelectual de seus discípulos/as, e sim a que eles/as assumam, se apropriem, coloquem em prática suas palavras, sua proposta de vida, as exigências do Reino.
E nós, comunidade cristã do século XXI, compreendemos o mistério do Reino? É para nós nosso tesouro e pérola preciosa pelo qual tudo deixamos? Para isso precisamos viver sempre nossa condição de discípulos/as do Reino, deixando que a palavra, a vida de Jesus ilumine nossa história, com seu passado, presente e futuro.

Degrau após degrau...
Cruz

Uma meta a longo prazo nos exige esforço duro e prolongado.
Mas um cálculo nos dá a confiança de que vale a pena.
Talvez, a cruz seja somente um investimento.

Por amor a outra pessoa,
sacrificamos com gosto tempo, força e dinheiro.
A cruz se chama solidariedade com o outro
que sinto de algum modo parte de mim mesmo.
Um golpe repentino, pode fulminar-nos em um instante,
e nossa existência fica ferida sem remédio.
Perde-se a saúde, um ser querido, ou a estima pública.
Arranca-se um galho verde, uma parte viva do eu.
Quando esta mutilação encontra seu repouso,
a cruz se chama aceitação.

Existe a cruz livre a que escolho aquela da qual não fujo.
Mas uma vez nela pregado já não posso descer quando quero.
Entregam-se os projectos aos cravos, a fantasia aos espinhos,
o nome aos rumores, os lábios ao vinagre e os bens à partilha.
Aqui a cruz se chama fidelidade ao amor no amor,
que é canto e fortaleza ressuscitando pela ferida.
Benjamim González Buelta, sj.
(extraído do site: http://www.ihu.unisinos.br)

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Curso do Profolider

Grupo de Religiosos (as) - ProFoLider 2014
Durante dois meses (Junho e Julho), estarei na casa do Irmãos de La Salle, no bairro periférico Vila Guilhermina da grande metrópole de São Paulo, Brasil.
Somos cerca de 35 religiosos, com dois assistentes, o Pe. Mário e a Ir. Francisca, 6 acompanhadores espirituais e 10 assessores temáticos.
Vindos de distintas partes deste imenso país, mas também do Chile e de Portugal, iniciámos este curso com uma missa de acção de graças pela vida e por este tempo de paragem que estamos começando.
E como já sabemos, para que as 'coisas' corram pelo melhor e sejam um bem, há que pedir sempre a Deus que caminhe connosco! Mais bem, que nos ajude a ver a vida como a grande peregrinação que ela é! E, há mais uma razão: estamos na semana que antecede o domingo do Espírito Santo! (É a primeira semana de Junho!)
Em jeito de reciclagem, de re-fontalização, de avaliação, dando um 'novo sentido' aos anos de caminhada religiosa, estamos vivendo este tempo como um grande momento de partilha, de construir no humano o que trazemos e o que somos. Nas palavras do primeiro curso, seria fazer um bom 'grouding' humano para no humano da vida descobrir o divino que há em "nóis"!
Na próxima semana (do 24 de Julho ao 01 de Agosto), estarei em Maripõra, São Paulo, para na casa da unas irmãs (ainda não sei o seu nome, perdão!!!) viver o retiro de conclusão deste curso. Ao termino deste, estarei de regresso à pátria lusa!

Santuário de Aparecida

No interior do Santuário
No passado dia 31 de maio, com o Pe. Haroldo, espiritano brasileiro, fui conhecer por primeira vez o grande Santuário de Nossa Senhora Conceição da Aparecida, que fica no estado de São Paulo a uns 160 km a norte da grande metrópole com o mesmo nome. Foram 2 horas de viagem pela autoestrada Dutra.
Quando digo grande é por que é mesmo grande. Fiquei assombrado pelas dimensões e a quantidade de gente! Não era dia de peregrinação, apenas sábado do fim de Maio. Só vi que havia a reunião, nesse santuário, do movimento da Legião de Maria. Se num dia assim havia tanta gente, imagino como será num dia de festa ou de peregrinação oficial!
A arquitectura é muito bonita e acolhe o peregrino no sentido de favorecer o contacto com Deus e com o povo que reza, canta e suplica! Com razão, o Papa Francisco disse que o rezar e estar diante da imagem de Nossa Senhora Aparecida do povo ajudou, e muito, na redacção do documento de Aparecida (V CELAM 2008)!
Para quem quiser saber mais coisas de Aparecida, aqui ficam os links: http://pt.wikipedia.org/wiki/Nossa_Senhora_da_Concei%C3%A7%C3%A3o_Aparecida e http://www.a12.com/.
Aqui também aproveito para partilhar algumas tomas...

A Grande Cruz que se situa
na nave central do Santuário.

Imagem Original de N. S. da Conceição de Aparecida
Vista desde a Torre Mirador...

domingo, 20 de julho de 2014

Uma lógica diferente...

O semeador - Van Gogh
O evangelho de hoje se situa no mesmo contexto que o do domingo anterior. Jesus, como os outros rabinos de seu tempo, usa parábolas para apresentar a natureza do Reino de Deus.
O texto de hoje nos oferece três parábolas, a primeira ilustra a diferença entre a paciência e o tempo de Deus e o dos seres humanos, e as outras duas narram simbolicamente algumas características do crescimento do Reino de Deus.
A parábola do joio no meio do trigo continua o tema da parábola do semeador, a gratuidade do Amor de Deus. Para isso, é preciso levar connosco a semente, como diz o teólogo José António Pagola. Neste texto acrescenta-se um elemento novo: o joio.
O semeador tem clareza que essa nova planta, ou erva, não provém de sua semeadura: "Foi algum inimigo que fez isso", mas parece não se assustar com a presença do joio em seu campo. A tranquilidade do semeador contrasta com a ansiedade de seus empregados que querem logo fazer alguma coisa: "Queres que arranquemos o joio?"
Ao olhar nosso mundo, sem dúvida, descobrimos diferentes sinais da presença do Reino de Deus, que cresce em silêncio, sem fazer muito barulho. Mas também constatamos outros acontecimentos, situações, estruturas que nada têm a ver com a proposta humanizadora, justa e solidária de Jesus. Como diz Carlos Palácio, SJ: "a vivência do amor por Jesus nos é dada pelo impacto produzido por Jesus nas pessoas que entravam em contacto com ele. Trata-se da pessoa de Jesus na sua unidade, não só do “Jesus humano”: ele era humanamente divino e divinamente humano."
"Neste período, em que os países europeus estão sendo afectados pela crise económica, eles parecem redescobrir a pobreza". Durante muitos anos fecharão os ouvidos para os distintos clamores dos países mais pobres. No caso dos refugiados, estes países que assinaram a Convenção de Genebra em 1951 para receber os refugiados não querem recebê-los mais. Os refugiados, eles se deparam com muitas restrições para entrar nos países ricos, eles passam a considerar as nações mais pobres como a única opção de moradia.
Tal como a comunidade de Mateus, podemos nos perguntar: Por que Jesus, Deus connosco, mestre da justiça, não intervém, arrancando tudo de uma vez? Por que tanta injustiça no mundo? Também nós queremos agir quase sem pensar, fazer justiça com nossas próprias mãos e por isso perguntamos: "quer que arranquemos o joio?"
A resposta do dono da colheita parece quebrar a impaciência de seus trabalhadores. Por um lado, mostra-se sábio, ao reconhecer o tipo e características da semente semeada pelo inimigo, o joio.
Vale explicar que o joio (em grego zizanión, especificamente cizânia) era uma gramínea anual que parecia muito com trigo até que amadurecesse. A diferença é que seus grãos eram pretos.
Por isso, arrancá-lo enquanto crescem seria imprudente: "Pode acontecer que, arrancando o joio, vocês arranquem também o trigo”. Por outro lado, junto com a sabedoria surpreende a paciência, a qual não deve ser confundida com passividade.
A paciência de Deus é nossa salvação, como diz o apóstolo Paulo. Deus não para de amar seus filhos e filhas mesmo que eles e elas actuem erradamente. Ele continua trabalhando no coração de cada ser humano, na história, na criação ininterruptamente.
Por isso, a possibilidade, a oportunidade de mudança é sempre possível, sempre está aberta. Esta paciência e presença de Deus são o motor de vida e esperança da comunidade cristã de todos os tempos.
As parábolas seguintes buscam explicar como, em meio às dificuldades, o reino de Deus cresce com lógicas diferentes das que estamos acostumados(as). O evangelista compara o reino de Deus a uma semente de mostarda, a menor de todas as sementes! Por quê?
O Deus de Jesus Cristo ama a pequenez! Deus assume o ritmo de seu povo, sabe de nossa fragilidade. Mas nele confia e nos impulsiona a não desistir, a não ter medo da minoria, a continuar nosso trabalho pela justiça e solidariedade, para que todos e todas vivam a dignidade de filhos e filhas de Deus.
A semente de mostarda se torna árvore, atingindo segundo a espécie, quatro ou nove metros de altura! Vale a pena continuar tendo esta perspectiva! A segunda parábola também nos fala de pequenez. O reino de Deus é comparado com o fermento usado pela mulher para fazer pão. Em Israel, fazer pão era tarefa confiada às mulheres. E elas o faziam todos os dias porque ele era alimento básico.
Dessa maneira, o evangelista nos mostra que o reino de Deus acontece no cotidiano de nossa vida, na simplicidade do dia-a-dia. E, sem dúvida, as mulheres têm um papel muito importante na construção desse reino, tal como o vem afirmando o Papa Francisco.
Tanto a semente de mostarda como o fermento escondido na farinha são sinais pequenos e quase imperceptíveis. Daí, a importância de ter olhos para ver o agir de Deus na história e ouvidos para escutar seus apelos e convites. Para isto, faz-se imprescindível uma ferramenta: o discernimento. Como entender o apelo de Deus, sua expectativa e esperança, aqui e agora a meu, a nosso respeito?
A prática do discernimento concede ao cristão e à cristã educar a liberdade à escuta de Deus, no próprio interior da realidade do mundo e da história. Esta realidade não é exterior ao mistério de Jesus e não escapa de seu Evangelho. Por isso é possível descobrir como nela engajar-se de maneira responsável.
Enquanto vivemos na paciência de Deus, comprometidos(as), lucidamente, na construção do seu Reino, alimentemos a esperança de que "os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai." 
Amigos, perdoem
Amigos, perdoem se pareço prosa,
convencida, orgulhosa...
Move-me a alegria de entrever,
- em pleno dilúvio, que continua e se agrava -,
 indícios de terra firme,
onde plantar meu ramo de oliveira!
Dom Hélder Câmara.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Apostar no Amor, domingo 13 de Julho...

O capítulo 13 do evangelho de Mateus contém sete parábolas, por meio das quais o evangelista busca apresentar e iluminar o mistério do Reino de Deus. São parábolas fáceis de compreender, para homens e mulheres simples, numa linguagem que eles podem entender. Jesus visava mostrar o Reino de Deus primeiramente a eles.
A primeira parábola, que corresponde à liturgia deste dia, é conhecida com o nome de Parábola do Semeador. É uma parábola elaborada com uma perfeita alegoria que narra o que acontece com a semente da Palavra de Deus em diferentes circunstâncias.
Jesus, como bom judeu camponês, utiliza na sua pregação elementos e situações que são próprias dos costumes e hábitos de seu tempo e localidade. Por isso usa com tranquilidade uma linguagem "agrícola", compreendendo que seus ouvintes saberão a que está se referindo.
Ele fala de um semeador que saía cada manhã bem cedo para semear com generosidade sua terra. Na Palestina, onde morava Jesus, não era costume preparar a terra antes da semeadura. O semeador já sabia que ia encontrar diferentes tipos de solo.
Mas parece não lhe importar. As sementes caem à beira do caminho, em terreno pedregoso, no meio de espinhos, ou em terra boa. Ele simplesmente se preocupa por semear generosamente em todos os lugares por onde está passando. Seu trabalho é semear.
Para melhor receber a mensagem deste texto, vamos lê-lo detidamente e resgatar parte de sua riqueza. Percebemos que a parábola e sua explicação fazem uma unidade. No primeiro relato distinguimos quatro tipos de terrenos: o caminho, o terreno pedregoso, o meio dos espinhos, a terra boa. A explicação refere-se a quatro tipos de ouvintes. Eles são: quem ouve a Palavra e não a compreende; quem a ouve, recebe-a com alegria, mas não tem raiz em si mesmo; quem a ouve, mas a preocupação do mundo e a ilusão da riqueza sufocam-na; e finalmente quem ouve a Palavra e a compreende.
Num segundo momento percebemos que a audição da Palavra está subordinada à compreensão. Mas a variedade de categorias de ouvintes da Palavra e sua respectiva compreensão não são referidas a diferentes classes sociais. Não são os discípulos aqueles que compreendem a Palavra, e a grande multidão, o grupo daqueles que não compreende.
Lembremos então que toda a parábola é uma referência ao Reino, e o crescimento da semente com todas suas dificuldades é imagem do reino.
Considerando estas perspectivas, podem brotar em nós duas perguntas:
Como cresce a semente? Por que o semeador distribui a semente sem dar muita importância ao tipo de terreno?
A semente cresce no silêncio, sem que ninguém saiba como. Os discípulos que estão lá escutam a explicação que Jesus lhes oferece, mas isso não garantirá o crescimento da semente neles. Podem existir entre eles aqueles que escutam mas não compreendem, assim como podem existir, entre a multidão, pessoas que escutam e compreendem. Estas são as pessoas que ouvem realmente.
São aquelas que compreendem! E essa semente traz algo novo, desconhecido, que vai mexer na sua vida, nas suas relações. Para isso possivelmente devem preparar seu terreno e fazer aquilo que seja necessário para que a semente do Reino cresça nelas.
A segunda pergunta nos leva ao Semeador. Nosso Deus é assim: cada dia, cada amanhecer nos oferece gratuitamente a todos sua vida, sua ternura, sua infinita misericórdia e perdão. Não faz distinção de pessoas nem juízos morais de atitudes ou comportamentos.
Como em outra parte, Mateus diz, nosso Deus faz sair o sol sobre justos e injustos. Sim, Ele semeia sua terra não lhe importando seu estado de preparação. Assim Jesus nos convida a deixar cair por terra a imagem de um Deus que só ama se cumprimos seus preceitos, leis ou ritos. Nosso Deus é um Deus de misericórdia.
Vemos então que Jesus faz duas apostas: na força da semente e na bondade natural de toda terra.
Prova disso é o fato de Deus ter enviado seu Filho ao mundo, sua Palavra se fez carne e habitou entre nós, colocou sua morada entre nós. E essa Palavra é viva e eficaz, presente e actuante na história, no tempo e na humanidade.
Então Deus Pai-Mãe, eterno semeador, confia em cada ser humano, aposta no dom da liberdade que todos/as nós possuímos e que nos faz capazes de acolher, aceitar, em qualquer circunstância da nossa vida, a graça de Deus.
A liberdade humana tem um dinamismo próprio que lhe permite projetar-se livremente, em função de suas descobertas e de suas escolhas, para a responsável instauração de seu próprio universo.
O texto de hoje, ao nos mostrar as diferentes dificuldades que encontra a semente para ser acolhida pela terra, ilustra as diferentes orientações que o ser humano pode dar à sua liberdade, que traz diferentes consequências ou frutos.
Nos tempos actuais, uma das mais "luminosas" tentações na qual pode cair nossa liberdade é o narcisismo de si próprio. Crer-se o ser humano capaz, auto-suficiente para resolver com sua liberdade criativa e inteligente todos os problemas da humanidade e do universo, esquecendo qualquer referência, origem, norma, ou fim, que não seja o impulso subjectivo que o conduz.
No CELAM, o Papa Francisco fala de três tentações a que está exposta a Igreja hoje nas diferentes situações: a tentação de transformar a mensagem do Evangelho em uma ideologia; a tentação de gerir a Igreja como um negócio; e a tentação do clericalismo.
Para os teólogos na comunidade da Pontifícia Universidade Gregoriana, ele fez referência ao narcisismo dos teólogos.
Daí a necessidade imperiosa da liberdade humana de deixar-se tocar pelo outro, e Outro com maiúscula, mais ainda, de reconhecer-se criada, e criada porque amada e convidada a ingressar na partilha do amor, deixando a asfixia do individualismo.
Dessa maneira, o impulso que habita a liberdade e que a torna responsável por si mesma é um impulso que lhe permite traçar sua resposta pessoal ao Amor do qual se sente depositária. Só assim o ser humano será verdadeiramente livre!
Então a terra se abrirá e abraçará calidamente a semente, porque sabe que ela contém o segredo do sentido de sua existência.
Esta parábola é um canto universal ao Amor gratuito de Deus e à liberdade humana, premissas indispensáveis para que a vida nova aconteça e dê frutos.


A Semente do Reino
Como se arriscará o camponês a semear sem ver já todo o trigal
no punho apertado cheio de sementes?
Como olhar a terra com olhos de esperança sem ver já o bosque
nas sementes aladas de carvalho levadas pelo vento?
Como sonhará o jovem casal sem sentir já no embrião
todos os risos e as brincadeiras dos filhos?
Como entregar-se pelo pequeno, sem ver com olhos novos
a utopia do Reino no brotar germinal que apenas rompe a casca do medo?
de Benjamin González Buelta

Referências: KONINGS, Johan. Espírito e mensagem da liturgia dominical. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindis, 1981. (partilhado do site www.ihu.unisinos.br)

domingo, 1 de junho de 2014

Os aviões... e a vida sacerdotal...

Quando cai, é noticia; mas quando voa, ninguém fala nele!
Há dias na rede social "Facebook" um padre, amigo meu do México, resolveu publicar uma frase que, mais ou menos, se pode resumir a isto: "Os sacerdotes são como os aviões... só quando caiem é que são noticia! Enquanto voam, ninguém se lembra nem fala neles..."
Aparte um possível tom azedo ou desabrido nesta frase, penso que reflecte, em boa verdade, o que vai na nossa sociedade.
Claro está que entendo que nós, os sacerdotes, somos sempre figuras públicas, quer pelo serviço que realizamos, quer pelo que somos, como também o somos pelo simples facto que somos a face pública da Igreja como instituição que se apresenta na sociedade como uma organização social de valores, ditos transcendentes.
No entanto, achei que esta frase reproduz um certo sintoma moderno muito actual: a busca ou procura ávida de noticias ou de algo escandaloso. Vivemos um tempo em que os media têm uma força descomunal... São eles os "fazedores de opinião" (the modern opinion's maker), os que intentam impor um modelo de sociedade. Os jornalistas, actualmente, do meu ponto de vista, são os que mais autoridade têm na sociedade actual. Contudo, não tenho nenhum mal-estar com isso. Não estou contra eles, nem nenhum ressentimento atrasado ou contas para ajustar.
Apenas, e somente, na frase expressada pelo meu colega padre de Tampico, revi uma verdade actual. É, no mínimo, lamentável que nós, os sacerdotes, sejamos motivo de escândalo, e mais pelos piores motivos que actualmente ouvimos e presenciamos.
Não sou nem advogado de defesa nem de acusação. Porém, e utilizando a frase parabólica acima transcrita, somos muitos, muitos mesmos, os que vivemos, lutamos e damos a vida pelo compromisso, serviço e oração de ajudar a que cada ser humano ser levado a Deus no seu peregrinar humano.
Há dias participei no funeral de um sacerdote com mais de 84 anos de vida e 58 anos de sacerdote. Sem conhecer muita da gente que assistia ao funeral, de vez em quando ouvia, em voz baixa uma que outra pessoa dizendo que este sacerdote os havia ajudado muito na sua vida de fé. Que havia sido para eles como uma luz, um guia.Que a eles e aos seus filhos e amigos os havia encaminhado para Deus.
Como é normal, não pude resistir à tentação de não associar a vida e missão deste sacerdote com a frase do meu amigo que compara os sacerdotes com os aviões. Realmente, no mundo actual, só somos noticias quando caímos, porque o normal, o do dia a dia, é voar e ajudar outros e outras a voar em direcção a Deus.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

São Paulo...

Desde o dia 25 de Maio que me encontro em São Paulo, uma das maiores metrópoles latino-americanas. Um país dentro dum país!
Vim para realizar o curso do Profolider 2014 (Programa de Formação de Lideres), organizado pela Conferencia dos Religiosos do Brasil, que decorrerá desde o dia 2 de Junho ao 1 de Agosto na casa dos Irmãos de LaSalle.
De momento estou hospedado na casa provincial dos espiritanos do Brasil, perto do Santuário de São Judas Tadeu, a uma media hora do centro histórico desta cidade.
Nesta cidade, vive e trabalha o meu irmão mais novo, ou como se diz por estas bandas: o meu caçoila! Assim, com um laço de sangue, bem presente e pertinho, é mais fácil e torna-se mais interessante viver e conhecer este lugar... é mais porque, tanto eu como o meu irmãos, tínhamos mais de dez anos que não coincidíamos por mais de duas semanas juntos!
Ontem, domingo, fomos juntos visitar alguns lugar emblemáticos desta metrópole. Valeu a pena, beleza! A foto diz tudo! ;)

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Os 4 cavaleiros...

Neste passado domingo, domingo da Divina Misericórdia ou domingo da Páscoa menor, a famosa Pascoela, a Igreja viveu um momento único e que, muito dificilmente num futuro próximo, se possa vir a repetir.
Juntos, na praça de São Pedro, dois papas, Bento XVI e Francisco I, celebraram a elevação ao altar na categoria de santos, modelos de fé e de vida, aos dois papas contemporâneos: João XXIII e João Paulo II.
Os homens de Deus do séc. XX:
São João Paulo II e São João XXIII.
Na literatura e na ficção cinematrográfica, há uma atracção pelo número 4. Há livros e filmes que nos contam a história que serão 4 cavaleiros ou 4 invencíveis trairão a paz e a felicidade ao mundo, sendo eles os guias da justiça e paz mundiais.
Na Biblia, pelo contrario, fala-se nos 4 cavaleiros (livro do Apocalipse, tendo a inspiração na profecia de Daniel) que serão os anunciadores do fim do mundo e da instauração do Reino de Deus.
Para mim, ontem, foi por isso o dia dos 4 magníficos! Os 4 Homens que encarnaram o que de melhor a humanidade tem e que foram e são um ejemplo bem eloquente de vida, de alegria e de fé. Não tiveram medo, nem o têm, de viver como tal!
São autenticamente 4 cavaleiros, com aquele sabor romântico, mas que é um romanticismo real e encarnado. Não há romantismo de letra e de poesia. São os cavaleiros andantes do nosso tempo. São 4 vidas entregadas e doadas a Deus no outro, no pobre, na chaga do próximo.
Cada um de estes 4 é uma afirmação da centralidade de Deus na vida do crente na diversidade da comunhão. Cada um deles são uma pequena grande mostra da abundância do amor entregado a Deus em favor da humanidade. Cada um, ao seu modo, diferente um do outro, quer pela linguagem, quer pelo tempo que viveu e vive, quer pela sua história pessoal e de fé, quer pelo cunho impresso à sua animção da Igreja, mas que apontam, brilhante e directamente, para Deus pelas suas opções de vida e que teve na oração como comunhão com Deus e com o próximo como eixo central das mesmas.
Cada um deles possuiendo qualidades e dons diferentes ao serviço da humanidade e com uma maneira muito diferente de rezar, de viver e de anunciar a fé, souberam dar verticalidade ao estender os brazos para os outros e para o mundo. Até pela maniera de vestir e de se apresentarem se nota, de imediato, quão diferentes são, porém isto não foi sinal de contradicção. O que estes 4 homens têm um denominador comun que aglutinou as suas energias foi a Fé no Ressuscitado! Como no princípio da Igreja nascente, a certeza da presença e vida do Ressuscitado fez com que o medo dos discípulos desaparecesse, dando lugar à alegria do Espírito, à certeza encorajadora da Fé!
Penso que a maravilha da Fé no Ressuscitado que mostra as suas chagas é precisamente isto: há visões e sensibilidades diferentes, mas um mesmo "norte" que nos guia e entusiasma. A Igreja é esta comunidade de gente que vindo desde dos 4 cantos da terra, de diferentes familias, sensibilidades, linguas e ritos são capaces de se reunirem, buscando nas chagas do Ressuscitado a rota verdadeira para a casa de Deus! Podemos até ter lentes diferentes e com uma graduação muito diferente e contrária, mas que isto não nos impida, como comunidade dos discípulos do Ressuscitado, de ter energia para procurar-Lo, ver-Lo nos pobres, nos indigentes, nos marginalizados e nos que a sociedade rejeita ou que, simplesmente, não olha para eles ou elas, ou olha de soslaio...
Gostei muito das palavras do papa Francisco I na sua homilia deste dia. São inspiradoras. Nos ajudam a ver estes dos novos santos com uma mirada inspiradora. Aqui as comparto. São 4 testemunhos diferentes, mas que nos desafiam. Dois de santos e dois de homens que ainda pisando este chão de terra, seguem ajudando-nos a peregrinar ao encontro deste Ressuscitado que nos mostra as suas chagas.
Aqui vão as palavras do Papa:
Papa emérito Bento XVI e o Papa Francisco I
no dia 27 de Abril de 2014.
«São João XXIII e São João Paulo II tiveram a coragem de contemplar as feridas de Jesus, tocar as suas mãos chagadas e o seu lado trespassado. Não tiveram vergonha da carne de Cristo, não se escandalizaram d’Ele, da sua cruz; não tiveram vergonha da carne do irmão (cf. Is 58, 7), porque em cada pessoa atribulada viam Jesus. Foram dois homens corajosos, cheios da parresia do Espírito Santo, e deram testemunho da bondade de Deus, da sua misericórdia, à Igreja e ao mundo.
Foram sacerdotes, bispos e papas do século XX. Conheceram as suas tragédias, mas não foram vencidos por elas. Mais forte, neles, era Deus; mais forte era a fé em Jesus Cristo, Redentor do homem e Senhor da história; mais forte, neles, era a misericórdia de Deus que se manifesta nestas cinco chagas; mais forte era a proximidade materna de Maria.
Nestes dois homens contemplativos das chagas de Cristo e testemunhas da sua misericórdia, habitava "uma esperança viva", juntamente com "uma alegria indescritível e irradiante" (1 Ped 1, 3.8). A esperança e a alegria que Cristo ressuscitado dá aos seus discípulos, e de que nada e ninguém os pode privar. A esperança e a alegria pascais, passadas pelo crisol do despojamento, do aniquilamento, da proximidade aos pecadores levada até ao extremo, até à náusea pela amargura daquele cálice. Estas são a esperança e a alegria que os dois santos Papas receberam como dom do Senhor ressuscitado, tendo-as, por sua vez, doado em abundância ao Povo de Deus, recebendo sua eterna gratidão.
Esta esperança e esta alegria respiravam-se na primeira comunidade dos crentes, em Jerusalém, de que falam os Actos dos Apóstolos (cf. 2, 42-47), que ouvimos na segunda Leitura. É uma comunidade onde se viveo essencial do Evangelho, isto é, o amor, a misericórdia, com simplicidade e fraternidade.
E esta é a imagem de Igreja que o Concílio Vaticano II teve diante de si.João XXIII e João Paulo II colaboraram com o Espírito Santo para restabelecer e actualizar a Igreja segundo a sua fisionomia originária, a fisionomia que lhe deram os santos ao longo dos séculos. Não esqueçamos que são precisamente os santos que levam avante e fazem crescer a Igreja. Na convocação do Concílio,São João XXIII demonstrou uma delicada docilidade ao Espírito Santo, deixou-se conduzir e foi para a Igreja um pastor, um guia-guiado, guiado pelo Espírito. Este foi o seu grande serviço à Igreja; por isso gosto de pensar nele como o Papa da docilidade ao Espírito Santo.
Neste serviço ao Povo de Deus, São João Paulo II foi o Papa da família. Ele mesmo disse uma vez que assim gostaria de ser lembrado: como o Papa da família. Apraz-me sublinhá-lo no momento em que estamos a viver um caminho sinodal sobre a família e com as famílias, um caminho que ele seguramente acompanha e sustenta do Céu».

«Logo que foram postos em liberdade, foram ter com os seus e contaram-lhes tudo quanto os sumos sacerdotes e os anciãos lhes tinham dito. Depois de tudo terem ouvido, ergueram a voz a Deus, numa só alma, e disseram:"Senhor, Tu é que fizeste o Céu, a Terra, o mar e tudo o que neles se encontra. Tu disseste pelo Espírito Santo e pela boca do nosso pai David, teu servo:'Porque bramiram as naçõese os povos formaram vãos projectos? Levantaram-se os reis da Terra e os chefes coligaram-secontra o Senhor e contra o seu Ungido.' Sim, realmente, Herodes e Pôncio Pilatos coligaram-se nesta cidade com as nações e os povos de Israel, contra o teu Santo Servo Jesus, a quem ungiste, para levarem a cabo tudo quanto determinaste antecipadamente, pelo teu poder e sabedoria. Agora, Senhor, tem em conta as suas ameaças e concede aos teus servos poderem anunciar a tua palavra com todo o desassombro, estendendo a tua mão para se operarem curas, milagres e prodígios, em nome do teu Santo Servo Jesus". Tinham acabado de orar, quando o lugar em que se encontravam reunidos estremeceu, e todos ficaram cheios do Espírito Santo, começando a anunciar a palavra de Deus com desassombro». Act 4,23-31

domingo, 27 de abril de 2014

Um livro de cabeceira para esta Páscoa

Gustavo Gutiérrez e Gerhard Muller, o primeiro
da América latina e o segundo da Europa. 
Desde os tempos dos estudos de Teologia, me gostava bastante ler as reflexões de Gustavo Gutiérrez e a sua escola de pensamento eclesial: Teologia da Libertação.
Ainda recordo o dia que escapando da Universidade (Faculdade de Teologia) como Nicodemos, fui ao auditório da Faculdade de Ciências da Universidade Nova de Lisboa para escutar, deleitado, ao teólogo Leonardo Boff na apresentação do seu livro: "Saber cuidar. Ética do humano - compaixão pela terra".
Era a onda ecológica! Gostei bastante de escutar a este pensador e teólogo discorrer sobre a busca humana do bem común e da sua interpretação teológica. Na verdade, olhando para trás e fazendo uma re-leitura, vejo com tristeza que naquela altura a 'minha' Faculdade de Teologia tenha marginalizado este teólogo, enquanto que os ditos "pagãos" conseguiam já, nesse tempo, descobrir os sinais de Deus no seu pensamento.
Enfim, nem sempre os ditos baptizados, os ditos filhos de Deus, sabemos ter olfacto para sentir o Deus peregrino no nosso caminhar... E, neste tempo de Páscoa, para sintonizar mais o meu pensar e sentir com o de Francisco de Roma ir aproveitar para ler este livro. Valerá a pena...

Meu Senhor e Meu Deus!

Neste domingo de Pascoela e início da segunda semana de alegria, a primeira leitura diz-nos que os crentes, os primeiros cristãos viviam todos unidos e tudo tinham em comum, na partilha do pão quotidiano e nas orações.
No evangelho, escutámos falar sobre a casa que os discípulos habitam. É uma casa com umas portas fechadas, bem fechadas! Aliás, é a normal reacção ao medo. Perante ele, empregámos o verbo "fechar". "Fechar portas", "cerrar fileiras", "marcar distância", "construir muros" e "colocar arames"... é o espontâneo frente ao desconhecido.
Cristo Ressuscitado caminha com o povo que peregrina
O medo leva a "protegermo-nos". Quem não tem a experiência de se trancar? Dizemos que um doente está "acobardado" quando a doença parece que o domina, encontra-se sem futuro. É o que João nos diz dos discípulos. Eles "fecharam-se", "isolaram-se" daqueles que condenaram o seu Senhor.
Cada um sabe bem de quê e de quem se esconde. Cada de nós leva dentro de si os seus medos. Os medos e temores levam a "resguardarmo-nos", a pormo-nos a salvo!
É nesta situação que a Força de Deus aparece, para que o seu poder brilhe. Os que professam e proclamam que Jesus vive não são crentes intrépidos, são homens medrosos! Se neles resplandece a fé não é pela sua força é, antes, pela acção de Deus.
É-nos familiar a expressão: 'não sei onde fui buscar tantas forças'. Há momentos em que experimentamos que Alguém dentro de nós nos dá uma força que não sabemos explicar. Deus opera em nós coisas grandiosas que nos assombram; em primeiro lugar a nós mesmos!
Quando nos deixamos conduzir por Deus, o que parecia impossível torna-se possível. Talvez, não nos demos conta de que Deus continua a agindo na nossa vida: ressuscitando-nos e libertando-nos dos nossos medos que nos aprisionam!

Como sucedeu com os teus discípulos, também eu tenho momentos de medo.
Por vezes, deixo-me arrastar pelas dúvidas e esqueço-me da tua presença segura na minha vida.
Quando me afasto de Ti, quando me desoriento, quando não vivo uma entrega autêntica, a minha vida agita-se e envolvem-me as preocupações, até voltar a percorrer a vida conTigo.
Então recupero a confiança; Tu fortaleces a minha debilidade, enches-me com a tua paz e tranquilidade, recupero a calma perdida e a minha vida torna-se uma festa.
Nunca permitas que me separe de Ti, não deixes que duvide da Tua presença firme.
Não permitas que actue sem a confiança posta em Ti e no teu amor. ConTigo estou seguro!

«Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez dentro de casa e Tomé com eles. Estando as portas fechadas, Jesus veio, pôs-se no meio deles e disse: "A paz seja convosco!" Depois, disse a Tomé: "Olha as minhas mãos: chega cá o teu dedo! Estende a tua mão e põe-na no meu peito. E não sejas incrédulo, mas fiel". Tomé respondeu-lhe: "Meu Senhor e meu Deus!" Disse-lhe Jesus: "Porque me viste, acreditaste. Felizes os que crêem sem terem visto!"» Jo 20,26-29