terça-feira, 6 de janeiro de 2009

México... visto com outros olhos...

Num país com mais de 100 milhões de habitantes espalhados por uma larga superfície de 1.958.201 km2, só podemos esperar grandes distâncias, enormes aglomerados populacionais e grande diversidade de culturas e povos. De facto é esta a primeira impressão quando o avião se aproxima do aeroporto na cidade do México. Sobrevoando esta grande capital vislumbramos a sua imensidão e, dado que não saímos do imenso aeroporto, imaginamos a sua complexidade, associada a todos os problemas próprios às grandes metrópoles. Na cidade do México vivem hoje mais de 22 milhões de pessoas. Duas vezes a população de Portugal. Mas o nosso destino era outro. Também não era o que tantos turistas elegem como local de férias e descanso nas praias da costa do Pacíficio, em Cancun ou Acapulco. O nosso destino era bem mais pobre e simples, quase escondido, nas montanhas huastecas, do Estado de San Luís de Potosi, na diocese de Ciudad Valles, na paróquia de San António. É ai que se encontra o P. Tiago Barbosa, missionário Espiritano português.
Quando há 35 anos os Espiritanos chegaram ao México foi claramente uma opção pelos mais pobres que os levou a fixarem-se na diocese de Ciudad Valles. O bispo de então, perante a passagem/visita de dois espiritanos americanos, lançou-lhes o desafio do trabalho nas paróquias do interior, junto dos povos índios, para os quais não tinha obreiros. E é assim que nasce a presença espiritana junto dos povos indígenas do México, na região Huasteca Potosina. No conjunto populacional do México os povos indígenas não são mais do 10 milhões, mas distribuídos por diferentes grupos e culturas, que tem expressão em mais de 60 línguas diferentes. Se por um lado tal diversidade cultural é enriquecedora e disso há vestígios arquitectónicos relevantes tais como as famosas pirâmides e cidades aztecas, por outro lado torna-se mais difícil para esses povos defenderem-se e lutarem pela sua identidade cultural. Daí que, os missionários espiritanos, escutando o apelo de Francisco Libermann, se tenham tornado junto deste povo os “advogados, o sustentáculo e os defensores dos fracos e dos pequenos, contra todos aqueles que os oprimem”. Desde Tampico a San Antonio, passando por Pujal, Tanlajas, Coxcatlan e outras localidades, os Espiritanos foram sabendo colocar-se ao lado dos pobres, incentivando organismos, levantando estruturas, dinamizando comunidades que os ajudem a erguer-se na defesa dos seus direitos e dignidade. É certo que cada comunidade índia tem a sua organização própria, com o chamado Juiz de Paz, escolhido cada ano, pelo Conselho de 12 integrantes, membros mais velhos da comunidade. Tal instância de autoridade é até reconhecida diante do Juiz federal e instaurada com uma bênção no decorrer de uma celebração eucarística no primeiro dia do ano, mas pouco mais pode fazer do que intervir no seio da sua comunidade. É diminuta a sua capacidade reivindicativa ou de defesa dos seus interesses junto de instâncias superiores, governamentais ou outras. Daí que os Missionários se unam a eles para amplificar a sua voz e, construindo comunidades cristãs, os ajudem a viver o dia-a-dia com esperança e dignidade.
A vida das 14 comunidades da paróquia de San António anda à volta da agricultura. A cultura da cana de açúcar, do milho e do feijão é a base de sustento para a grande maioria do povo índio Tenek que aqui habita e as grandes pradarias de gado bovino da área são de ricos proprietários vivendo nas cidades. A população da paróquia anda pelos 10 mil habitantes, sendo cerca de metade com menos de 25 anos. Daí que embora a educação esteja espalhada e presente em todas as comunidades, pela escola primária ou secundária, há na região uma falta de escolas intermédias e superiores onde os jovens possam continuar a sua formação profissional ou universitária. Pela sua humildade e sentido da comunidade, torna-se difícil aos jovens Tenek singrar no meio competitivo e individualista da sociedade urbana e global onde as universidades e outras oportunidades de emprego aparecem. A emigração, tanto para os Estados Unidos como para o Canadá, é uma das poucas saídas possíveis para a população daquela zona.
É neste ambiente humano, onde apesar de tudo as condições essenciais de vida e de saúde não faltam, que está presente a Igreja e a fé cristã. Uma grande maioria são baptizados, até porque a paróquia foi fundada em 1776, e o povo huasteca tem uma sensibilidade religiosa própria, de origem pré-cristã, que empresta um carácter singular à sua vivência da fé cristã, tanto na sua manifestação artística e simbólica como na sua organização e dinamismo. Tal tivemos a alegria de poder experimentar ao participarmos em vários momentos celebrativos que decorreram durante a nossa visita. Logo no dia da nossa chegada, diz-nos o P. Tiago, que tem de ir a uma das comunidades, chamada Tocoy, para uma reunião acerca de dois grupos de tipo carismático que nem sempre se entendem no desempenho das suas funções e serviços de animação litúrgica no seio da comunidade. Ambos nasceram do fervor e dinamismo da própria comunidade, em resposta a apelos de nova evangelização, mas que viriam a chocar entre si por questões de algum protagonismo ou liderança. Era grande o número dos que esperavam, quando chegamos. Sabendo o P. Tiago que esta cultura e comunidades vivem na base de acordos, foi conduzindo o encontro em ordem a fomentar a comunhão, na base do diálogo, da concertação e da partilha. Logo de início deixou que cada grupo iniciasse uma oração, que fizeram com recurso a uma leitura bíblica e a um cântico. Depois foi ocasião de o pároco, P: Tiago, fazer uma longa prelecção, com exemplos muito práticos, tirados alguns da vida campesina, sobre o interesse da união e a necessidade da partilha para tornar a comunidade mais forte e mais testemunhante. O P. Joaquim Dionísio, pároco da minha aldeia, confidenciou-me ao ouvido, quando o P. Tiago fazia esta dinâmica: “Estou a rever S. Paulo fomentando a unidade nas suas comunidades”! Depois do P. Tiago falar outros foram chamados a intervir, sobretudo os responsáveis e lideres. Um ou outro em língua Tenek, para certamente melhor se fazer compreender. No final, tendo acordado trabalhar em conjunto efectivamente durante as celebrações festivas que se aproximavam, procedeu-se a um momento de reconciliação e de paz que, mesmo na sua simplicidade e aparente “frieza”, nos pareceu sincero e real. Cinco dias depois pudemos experimentar uma celebração festiva nessa comunidade onde todos se empenharam e se uniram as mãos para melhor louvar a Deus, servir a comunidade e honrar nossa Senhora de Guadalupe. Nesta comunidade da paróquia, como em qualquer uma das outras 14, há sempre um coordenador, catequistas, ministros da comunhão e ministros do canto, que juntamente com o pároco constituem o conselho da comunidade. Também a nível paroquial há um conselho que se reúne regularmente, durante uma manhã inteira, e onde há representantes de todas as comunidades e de todos os organismos paroquiais. Como se procura animar tais encontros na dinâmica dos acordos que lhes é muito característica culturalmente, é preciso dedicar-lhes muito tempo. Assim nos confidenciaram o P. Tiago e o P. Swavek, espiritano polaco, que partilham a dinamização cristã destas comunidades.
A 12 de Dezembro de cada ano há festa no México. Em todo o país se celebra a “Guadalupana” ou Nossa Senhora de Guadalupe. Mesmo sem termos ido visitar o dito santuário, tal como muitos dos próprios mexicanos, dêmo-nos conta de quão importante é para a sua vivência cristã o culto a Nossa Senhora de Guadalupe. Na paróquia de San António decorria uma peregrinação da imagem de Nossa Senhora, de comunidade em comunidade. Todos se congregavam, pequenos, jovens e adultos, e sem grandes alaridos, mas com paciência, serenidade e veneração iam-se manifestando diante da Mãe de Guadalupe. Primeiro impondo-lhe um colar de flores. Depois incensando bem a imagem. Para depois se prostrar diante dela, acendendo velas e rezando. Não só individualmente como também em família. Particularmente tocante é o interesse dos próprios jovens que na tarde do dia 11, se reúnem na catedral, junto com o seu bispo, e recebem da sua mão uma luz, género chama olímpica, a que chamam “antorcha”, acesa no círio pascal, e percorrem em jeito de estafeta os 53 kms que os separa da sua paróquia, para aí chegarem no inicio da vigília pela meia noite. Quando o missionário recebe comida do povo, é convidado para ir a suas casas é sinal de que já faz parte das suas famílias. Já foi bem acolhido e a sua presença é sinal de Esperança e de Paz. Quando o missionário conhece bem o povo, até pelo próprio nome, e sabe da sua vida, costumes e cultura, então pode entregar-se ainda mais à Missão de Evangelizar porque o terreno está preparado. Alegro-me por ter encontrado destes missionários e terem partilhado connosco um pouco desta riqueza, desta vida e até daquelas comidas picantes que “picam e repicam”. Para eles, bem mais merecido do que a nós a quem tantas vezes brindaram, vai o nosso “fortíssimo aplauso”.

«Agora, alegro-me nos sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo, pelo seu Corpo, que é a Igreja. Foi dela que eu me tornei servidor, segundo a missão que Deus me confiou para vosso benefício: levar à plena realização a Palavra de Deus, o mistério escondido ao longo das gerações e que agora Deus manifestou aos seus santos. Deus quis dar-lhes a conhecer a imensa riqueza da glória deste mistério entre os gentios: Cristo entre vós, a esperança da glória! É a Ele que anunciamos, admoestando e ensinando todos e cada homem com toda a sabedoria, para apresentar a Deus todos os homens na sua perfeição em Cristo. É para isso mesmo que eu trabalho, lutando com a força que Ele me dá e que actua poderosamente em mim». Cl 1,24-29