domingo, 20 de julho de 2014

Uma lógica diferente...

O semeador - Van Gogh
O evangelho de hoje se situa no mesmo contexto que o do domingo anterior. Jesus, como os outros rabinos de seu tempo, usa parábolas para apresentar a natureza do Reino de Deus.
O texto de hoje nos oferece três parábolas, a primeira ilustra a diferença entre a paciência e o tempo de Deus e o dos seres humanos, e as outras duas narram simbolicamente algumas características do crescimento do Reino de Deus.
A parábola do joio no meio do trigo continua o tema da parábola do semeador, a gratuidade do Amor de Deus. Para isso, é preciso levar connosco a semente, como diz o teólogo José António Pagola. Neste texto acrescenta-se um elemento novo: o joio.
O semeador tem clareza que essa nova planta, ou erva, não provém de sua semeadura: "Foi algum inimigo que fez isso", mas parece não se assustar com a presença do joio em seu campo. A tranquilidade do semeador contrasta com a ansiedade de seus empregados que querem logo fazer alguma coisa: "Queres que arranquemos o joio?"
Ao olhar nosso mundo, sem dúvida, descobrimos diferentes sinais da presença do Reino de Deus, que cresce em silêncio, sem fazer muito barulho. Mas também constatamos outros acontecimentos, situações, estruturas que nada têm a ver com a proposta humanizadora, justa e solidária de Jesus. Como diz Carlos Palácio, SJ: "a vivência do amor por Jesus nos é dada pelo impacto produzido por Jesus nas pessoas que entravam em contacto com ele. Trata-se da pessoa de Jesus na sua unidade, não só do “Jesus humano”: ele era humanamente divino e divinamente humano."
"Neste período, em que os países europeus estão sendo afectados pela crise económica, eles parecem redescobrir a pobreza". Durante muitos anos fecharão os ouvidos para os distintos clamores dos países mais pobres. No caso dos refugiados, estes países que assinaram a Convenção de Genebra em 1951 para receber os refugiados não querem recebê-los mais. Os refugiados, eles se deparam com muitas restrições para entrar nos países ricos, eles passam a considerar as nações mais pobres como a única opção de moradia.
Tal como a comunidade de Mateus, podemos nos perguntar: Por que Jesus, Deus connosco, mestre da justiça, não intervém, arrancando tudo de uma vez? Por que tanta injustiça no mundo? Também nós queremos agir quase sem pensar, fazer justiça com nossas próprias mãos e por isso perguntamos: "quer que arranquemos o joio?"
A resposta do dono da colheita parece quebrar a impaciência de seus trabalhadores. Por um lado, mostra-se sábio, ao reconhecer o tipo e características da semente semeada pelo inimigo, o joio.
Vale explicar que o joio (em grego zizanión, especificamente cizânia) era uma gramínea anual que parecia muito com trigo até que amadurecesse. A diferença é que seus grãos eram pretos.
Por isso, arrancá-lo enquanto crescem seria imprudente: "Pode acontecer que, arrancando o joio, vocês arranquem também o trigo”. Por outro lado, junto com a sabedoria surpreende a paciência, a qual não deve ser confundida com passividade.
A paciência de Deus é nossa salvação, como diz o apóstolo Paulo. Deus não para de amar seus filhos e filhas mesmo que eles e elas actuem erradamente. Ele continua trabalhando no coração de cada ser humano, na história, na criação ininterruptamente.
Por isso, a possibilidade, a oportunidade de mudança é sempre possível, sempre está aberta. Esta paciência e presença de Deus são o motor de vida e esperança da comunidade cristã de todos os tempos.
As parábolas seguintes buscam explicar como, em meio às dificuldades, o reino de Deus cresce com lógicas diferentes das que estamos acostumados(as). O evangelista compara o reino de Deus a uma semente de mostarda, a menor de todas as sementes! Por quê?
O Deus de Jesus Cristo ama a pequenez! Deus assume o ritmo de seu povo, sabe de nossa fragilidade. Mas nele confia e nos impulsiona a não desistir, a não ter medo da minoria, a continuar nosso trabalho pela justiça e solidariedade, para que todos e todas vivam a dignidade de filhos e filhas de Deus.
A semente de mostarda se torna árvore, atingindo segundo a espécie, quatro ou nove metros de altura! Vale a pena continuar tendo esta perspectiva! A segunda parábola também nos fala de pequenez. O reino de Deus é comparado com o fermento usado pela mulher para fazer pão. Em Israel, fazer pão era tarefa confiada às mulheres. E elas o faziam todos os dias porque ele era alimento básico.
Dessa maneira, o evangelista nos mostra que o reino de Deus acontece no cotidiano de nossa vida, na simplicidade do dia-a-dia. E, sem dúvida, as mulheres têm um papel muito importante na construção desse reino, tal como o vem afirmando o Papa Francisco.
Tanto a semente de mostarda como o fermento escondido na farinha são sinais pequenos e quase imperceptíveis. Daí, a importância de ter olhos para ver o agir de Deus na história e ouvidos para escutar seus apelos e convites. Para isto, faz-se imprescindível uma ferramenta: o discernimento. Como entender o apelo de Deus, sua expectativa e esperança, aqui e agora a meu, a nosso respeito?
A prática do discernimento concede ao cristão e à cristã educar a liberdade à escuta de Deus, no próprio interior da realidade do mundo e da história. Esta realidade não é exterior ao mistério de Jesus e não escapa de seu Evangelho. Por isso é possível descobrir como nela engajar-se de maneira responsável.
Enquanto vivemos na paciência de Deus, comprometidos(as), lucidamente, na construção do seu Reino, alimentemos a esperança de que "os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai." 
Amigos, perdoem
Amigos, perdoem se pareço prosa,
convencida, orgulhosa...
Move-me a alegria de entrever,
- em pleno dilúvio, que continua e se agrava -,
 indícios de terra firme,
onde plantar meu ramo de oliveira!
Dom Hélder Câmara.

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